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PolíticaArábia Saudita

"Mega-acordo" saudi-americano pode lançar corrida nuclear?

Cathrin Schaer
30 de maio de 2024

Pacto anunciado pela imprensa traz tanto promessas quanto ameaças. Por um lado, mais estabilidade entre EUA e Riad, chances de negócios. Por outro, o perigo da proliferação de armas atômicas no Oriente Médio.

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Presidente Joe Biden e príncipe Mohammed bin Salman em 2022
Presidente Joe Biden e príncipe Mohammed bin Salman em 2022: começo de uma bela amizade?Foto: Bandar Algaloud/Courtesy of Saudi Royal Court/REUTERS

Diversos veículos de imprensa têm sugerido que a Arábia Saudita estaria prestes a fechar um importante pacto com os Estados Unidos. Foram empregadas expressões bombásticas como "mega-acordo" e "super barganha", porque ele aproximaria ambas as nações de modos significativos, entre os quais um pacto de defesa mútua e cooperação em tecnologias emergentes, como inteligência artificial, e um programa nuclear com fins civis.

Originalmente o pacto estaria estreitamente associado à normalização das relações entre Riad e Tel Aviv. No entanto esse aspecto teve que ser posto de lado, já que os sauditas insistem no reconhecimento, por Israel, de um caminho em direção a um Estado palestino, enquanto os israelenses barram terminantemente tal perspectiva.

No entanto – como noticiaram desde o início de maio o The New York Times, a agência de notícias Reuters e os britânicos Financial Times e The Guardian – ainda é provável que o "mega-acordo" saudi-americano avance: só que sem Israel. Não se conhecem detalhes, mas são conhecidas as ambições de Riad quanto à energia nuclear, por lhe apresentarem uma chance de diversificação em relação ao petróleo.

Contudo, além de ser um dos mais prováveis, esse também é um dos aspectos mais polêmicos do acordo. Isso, porque a Arábia Saudita está determinada a enriquecer urânio em seu próprio solo, explica Kelsey Davenport, diretora de não proliferação da Arms Control Association, de Washington. E a tecnologia utilizada para o enriquecimento de urânio produz combustível para reatores nucleares, mas também pode resultar em material utilizável em armas nucleares.

"A Arábia Saudita é irredutível nesse ponto: ela abandonará um pacto de cooperação nuclear com Washington antes de renunciar ao enriquecimento", afirma Davenport. Em setembro de 2023 o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, estampou as manchetes internacionais ao comentar que, se seu rival regional Irã conseguir uma bomba nuclear, a Arábia Saudita precisará de uma, também.

Arábia Saudita e a questão da confiança

Quando começaram a sair as notícias sobre o acordo saudi-americano, no início de maio, o senador democrata Edward Markey, copresidente do grupo de trabalho governamental para controle de armas nucleares, escreveu ao presidente Joe Biden:

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"Temo que não se possa confiar que a Arábia Saudita – uma nação com um histórico terrível de direitos humanos– vá empregar seu programa de energia nuclear exclusivamente para fins pacíficos, e em vez disso vai enriquecer urânio e buscar desenvolver armas nucleares."

Para além de tais temores, também há receios de que o simples fato de permitir o enriquecimento já lance uma corrida nuclear regional. Manuel Herrera, um pesquisador de não proliferação nuclear do think tank Italiano Istituto Affari Internazionali, escreveu em 2023:

"Permitir que a Arábia Saudita adquira tais capacidades estabeleceria um precedente problemático, no nível internacional. Possivelmente encorajaria outras nações da região, como Egito ou Turquia, a buscarem capacidades nucleares semelhantes, resultando numa cascata de proliferação num Oriente Médio já volátil."

Usina nuclear Barakah, nos Emirados Árabes Unidos
Em 2021 Emirados Árabes Unidos tornaram-se primeiro país árabe a operar uma usina nuclear, a Barakah, e já planejam sua segundaFoto: Yonhap/picture alliance

Assim como outros peritos, Herrera espera que, caso um programa nuclear se concretize, o governo americano imponha limites rígidos. Estes podem incluir a proibição de enriquecimento dentro do país; criar uma instalação para enriquecimento a que só cidadãos americanos tenham acesso; ou permitir a transformação de pó de urânio refinado em gás, mas não o enriquecimento.

Podem-se ainda impor condições como a assinatura de critérios específicos de não proliferação, sob a Seção 123 da Lei de Energia Atômica dos EUA; e exigir permissão para inspeções adicionais pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), sediada na Áustria.

"Até onde sabemos, os EUA estão tentando promover um acordo muito semelhante ao que fecharam com os Emirados Árabes Unidos em 2009, em que aplicaram a Seção 123", acrescenta Herrera. No entanto anteriormente os sauditas já rejeitaram tais condições.

E há Israel – e a China

No tocante ao papel de Israel, "tem-se partido do princípio de que vários elementos [de um acordo saudi-americano] se reforçariam mutuamente", explicou numa nota em abril Robert Einhorn, especialista do Brookings Institute de Washington.

"Por exemplo, a normalização tornaria a cooperação nuclear [com a Arábia Saudita] mais interessante para Israel, e uma garantia de segurança e cooperação nuclear pelos EUA faria a normalização mais interessante para os sauditas."

Mas agora que Israel não está mais envolvido, analistas veem no "mega-acordo" uma manobra para pressionar o governo de Benjamin Netanyahu. Os aliados de Tel Aviv, inclusive os EUA, vêm requerendo dos líderes israelenses uma abordagem diferente, mais cautelosa, no tocante à Faixa de Gaza. Antes, o governo israelense já declarara não querer que os sauditas obtenham qualquer tipo de capacidade de enriquecimento de urânio."

Entretanto há outros motivos, igualmente importantes, para uma cooperação nuclear saudi-americana. Como observou Davenport, da Arms Control Association, o interesse de Riad em energia nuclear é anterior à "pressão por uma normalização saudi-israelense mais ampla". E Herrera recorda que "alguns outros países também têm colocado ofertas na mesa" – como a China.

Se o acordo em questão for adiante, isso esvaziaria qualquer influência chinesa nessa área. Do ponto de vista comercial, também resultaria em contratos substanciais para companhias americanas. E o recente progresso tem ainda muito a ver com a política interna dos EUA: "A administração Biden deseja um acerto antes das eleições presidenciais", afirma Davenport.

Outros analistas sugerem que uma maior cooperação também permitiria mais influência americana nas decisões da Arábia Saudita sobre os preços do petróleo, que Washington naturalmente prefere estarem mais baixos às vésperas das eleições.

Quanto ao perigo de uma corrida nuclear no Oriente Médio, Kelsey Davenport diz não estar totalmente segura disso: "Não é inevitável ocorrer uma cascata de proliferação a região. Mas enriquecimento de urânio pela Arábia Saudita de fato a torna mais provável."

Tudo isso é agravado "pela desintegração da grande unidade de poder para prevenir a proliferação, e a pressão que enfrenta a ordem nuclear mais ampla", conclui a especialista, referindo-se às ameaças crescente de emprego de armas nucleares – como a da Rússia em relação à Ucrânia – ou de posicioná-las no espaço sideral.