Mediengruppe Telekommander: toda a força de uma cultura
15 de maio de 2006Gerald Mandl e Florian Zwietnig se encontraram no começo de 2002 e, no final do mesmo ano, apenas algumas demos depois, lançaram seu primeiro EP pelo selo independente Enduro, de Hamburgo. Os boatos de que suas apresentações ao vivo causavam furor na platéia logo se espalharam.
A imprensa reagiu com pressa e uma primeira turnê começou a tomar forma. Em setembro de 2003, veio o segundo EP. O estouro saiu através de um videoclipe de baixo orçamento para "Telekommanda", um marco do electro-punk alemão. Na época, o vídeo foi transmitido freqüentemente no programa Fast Forward do canal Viva 2, que, antes de ser comprado pela concorrente MTV, ainda mantinha uma programação de primeira classe.
Os dois então se mudaram para Berlim e, após tanta atenção dispensada, assinaram um contrato com a gravadora Mute, pela qual lançaram o álbum de estréia Die ganze Kraft einer Kultur (Toda a força de uma cultura) em maio de 2004.
No novo álbum, que já não é mais tão cru e alto quanto o primeiro, a mistura de estilos é evidente: guitarras, broken beats, sintetizadores e muito hip hop. A Deutsche Welle falou com os dois sobre a música alemã, mudanças na cultura musical e na indústria fonográfica, suas influências musicais e as possibilidades da música underground.
DW-WORLD: O que significa o nome da banda?
Gerald: Em italiano, telecommando significa controle remoto. Achamos que esse seria um nome legal para um projeto de música eletrônica. Em algum momento, decidimos ampliar o nome para mostrar que não é só a música que importa para nós, mas todo o conceito, do som até o design gráfico e o site.
Como é o processo de composição de vocês?
Florian: A gente faz tudo junto. Um de nós aparece com uma idéia para uma música – seja só um loop ou a primeira estrofe ou um refrão. Aí a gente desenvolve em dupla. Os textos nós também escrevemos juntos. Para nós não existe uma divisão no sentido de que um faz a música e o outro os textos.
Geralmente surgem primeiro os textos ou as músicas?
Florian: Isso varia. No primeiro álbum, foi demais. A parede inteira do estúdio estava lotada de textos colados. E muitas vezes a gente tinha um texto pronto, mas a música não saía, ou tínhamos trechos separados que não conseguíamos juntar, ou músicas sem letra. Mas no fim tudo se encaixou.
Como é no palco? Vocês tocam ao vivo ou investem toda a energia na performance?
Florian: Na verdade, é uma mistura dos dois. A princípio, o Gerald toca baixo, eu toco guitarra e nós dois cantamos. Todo o resto – batidas, sintetizadores etc – fica a cargo do computador. Mas tem músicas que seguem uma linha mais hip hop, por exemplo, nas quais a gente só canta, enquanto há outras que exigem mais música ao vivo.
Vocês improvisam no palco?
Gerald: O show tende a ser mais estático.
Florian: Nós improvisamos em músicas mais intrumentais. Mas, de regra, tendemos a ser mais estáticos. Embora a gente queira mudar isso um pouco no futuro. O problema é que os softwares atuais não permitem tanta liberdade. Agora é que estão saindo uns programas mais novos, com os quais dá para ser mais flexível.
Esse é um dos preconceitos em relação à música eletrônica: que as bandas não tocam "de verdade". No caso de vocês, a performance é quase mais importante. O que importa no palco?
Ambos: A energia.
Florian: Por outro lado, é isso que as pessoas acham tão bom na música eletrônica. O mais importante é a energia que surge quanto estamos tocando e não o fato de sermos ou não músicos virtuosos. Para nós, o que pesa é se o público está se divertindo e a atmosfera na platéia.
Até que ponto o público é um critério na hora de compor?
Florian: Até o momento em que pensamos: hei, esse vai ser o trecho em que o público vai ter que cantar junto. Tem música que simplesmente não funciona ao vivo se o público não cantar e gritar junto. Nossa música é muito interativa.
Gerald: A gente compõe pensando no show. Isso, para a gente, é muito mais importante que a produção.
Ou seja, que a música soe verdadeira, e não polida demais pela produção?
Gerald: Exato, que soe verdadeira e crua.
Mas o novo disco saiu mais limpo, exatamente melhor produzido.
Gerald: É, desta vez nos ocupamos um pouco mais com a produção. Gravamos primeiro com bateria acústica, depois cortamos e mixamos com elementos eletrônicos. Queríamos um pouco mais de dinâmica e profundidade no som. O primeiro álbum foi extremamente alto e sempre no limite. O novo é mais dinâmico.
O primeiro era realmente mais cru e isso era algo que identificava vocês. Não que o tom de protesto não esteja presente no segundo, mas ele soa mais polido.
Florian: A gente quis assim. Não queríamos ficar parados no mesmo lugar, gravar um segundo álbum que soasse exatamente igual ao primeiro, mas dar musicalmente um passo à frente. Foi um desenvolvimento lógico. Queríamos aprofundar nosso som.
Vocês planejam lançar um álbum de remixes?
Florian (rindo): Siiiiim, estamos com muitas idéias. Mas todas de difícil realização. Mas vontade não falta.
Não dá para saber onde pára o protesto e começa a diversão na música de vocês. Isso é proposital?
Gerald: Isso é ótimo.
Florian: Não queríamos que nossa música fosse embrulhada em uma atitude punk tradicional. Nossa intenção não era repetir certas fórmulas manjadas, que sejam claramente contra alguma coisa em particular. Do tipo, nós estamos aqui e do outro lado está tudo aquilo que criticamos. Queríamos manter uma certa ironia, para que a gente possa se sentir parte do todo, sem levar a si mesmo muito a sério, como o punk geralmente faz.
Mas a música de vocês tem pouco dessa atitude punk e muito mais de um tipo de protesto mais divetido, típico de bandas de hip hop.
Gerald: Esse é o punk de hoje.
Florian: Nós ouvimos muito hip hop e acabou surgindo essa mistura especial.
Saiba na próxima página o que o Mediengruppe Telekommander acha sobre o conceito de underground, o hábito de baixar música pela internet e as consequências para a cultura musical.
Hoje em dia ainda se pode falar em underground?
Florian: Honestamente, acho difícil chamar por esse nome. Claro que existem cenas que seriam como aquilo que hoje se chama de underground. Coisas que acontecem completamente à parte do mercado, bandas que nunca são resenhadas, mas que todo mundo conhece nos meios onde elas surgiram. Mas elas são uma parte infinitesimal. Uma cena de verdade, ativa, que tenha meios financeiros necessários para se tornar conhecida, de modo que as pessoas que dela vivam possam ter tempo suficiente para se dedicar a ela, isso há relativamente pouco na Europa.
Então o underground seria apenas uma fase anterior à assinatura do contrato com uma gravadora?
Gerald: Não, para mim é algo que acontece paralelamente ao mercado comercial. Tem muitos fanzines que resenham bandas dos mais variados gêneros. Para mim, isso é algo à parte.
Florian: Hoje a palavra indie [do inglês independent] não passa de um estilo musical. Mas não podemos esquecer que muitas dessas gravadoras indies, que nos Estados Unidos realmente não passavam de pequenas empresas, eram maiores do que muitas gravadoras comerciais alemãs. E que muita coisa do som que a gente achava que era underground só era mesmo em comparação com Tina Turner ou hoje com Mariah Carey. Na verdade, eles já eram comerciais, senão nós nunca teríamos tomado conhecimento disso aqui na Alemanha.
Mas não é um triste paradoxo o fato de hoje termos todas as possibilidades de conhecer música do mundo todo pela internet, enquanto ao mesmo tempo a cena underground desaparece?
Florian: Eu não sei qual o motivo disso. Mas são mudanças estruturais, cujos resultados só veremos daqui a algum tempo. As grandes gravadoras também já não são mais o que um dia foram. Elas diminuíram de tamanho, tiveram que cortar pessoal. E a estrutura seguinte ainda está aberta. Talvez surja um novo underground com ajuda da internet, com bandas que se tornem conhecidas através de sites como o MySpace, sem nunca ter gravado nada em disco.
O que vocês acham do novo projeto de lei de direitos autorais na Alemanha? Como se deve tratar a propriedade intelectual?
Gerald: Eu acho um abuso que as pessoas não possam nem fazer uma cópia para uso privado.
Florian: A questão é como isso será controlado. Essas leis são propostas a partir de uma situação de desamparo total. É como no Velho Oeste. Não se pode controlar nada na internet, assim como não se podia controlar nada nos pampas americanos. Até que alguém começou a criar leis. E, na minha opinião, não há nenhum outro jeito de começar. Eu acho que as leis vão ser cada vez mais severas até que surjam precedentes que permitam que se forme uma estrutura, senão perde-se o controle. As pessoas baixam músicas como loucos da rede, especialmente na Alemanha, e não há nada que se possa fazer. Por isso é que essas leis soam tão grotescas. Poxa, eu copiei fitas cassetes para amigos meus durante toda a minha juventude e de agora em diante não poderia nem copiar um CD!?
Você acha que na Alemanha se baixa mais música da rede que em outros países?
Florian: Ouvi dizer. Na Inglaterra, há outra cultura musical. As pessoas sentem mais a necessidade de consumir música e estão acostumadas a comprar. Lá a internet ainda é cara demais, principalmente conexões de banda larga, e os computadores também são mais caros que na Alemanha. Isso tem consequências para a cultural musical.
Não seria a Inglaterra que é diferente?
Florian: Não sei, eu não conheço a cultura musical de países como Espanha e Itália, por exemplo. Mas em países que são tradicionalmente consumidores de música – como é o caso da Alemanha, que já foi o terceiro maior mercado musical do mundo – estão sendo registradas quedas enormes no consumo. E eu bem poderia imaginar que isso é devido à fácil disponibilidade da internet a custos baixos. Quando eu tinha um modem, eu não baixava música.
Como vocês avaliam a atual música pop alemã?
Florian: Para ser honesto, acho a música pop feita hoje na Alemanha extremamente chata. É incrível, como essas bandas são ruins. Eu acho assustador pensar que a última coisa de alcance internacional produzida na Alemanha foi provavelmente a Neue Deutsche Welle. É inacreditável que em tanto tempo houve apenas algumas exceções de peso para a história da música pop, e que desde então o que se faz é uma imitação ininterrupta de gêneros musicais internacionais.
Gerald: Em alemão!
Florian: Em alemão! Essa germanização de letras é algo que herdamos do pós-guerra, quando copiávamos músicas dos americanos. Isso é tão horrível. É deplorável que uma cultura musical se apóie tanto em imitações.
Mas entre a Neue Deutsche Welle e a música de hoje houve o tecno.
Florian: Espera aí, então temos que diferenciar. A música eletrônica é outra coisa. Nesse quesito, a Alemanha está bem à frente.
Vocês lucram com isso?
Gerald: Nós somos grandes fãs e, como também discotecamos muito, há algum tempo começamos a acompanhar intensivamente e a passar horas mixando no estúdio. Isso foi uma enorme influência para o último disco.
O Mediengruppe Telekommander fala de suas influências, comenta a ubiqüidade do hip hop em alemão e explica porque escolheram Berlim como cidade para morar.
O que vocês escutam atualmente?
Gerald: Eu gosto muito de música eletrônica. Na música pop, tem alguns discos do Beck que eu adoro, e também dos Beastie Boys. E muitas coisas velhas, que eu continuo achando ótimas, muita coisa experimental, mas muita coisa pop.
Florian: É melhor dizer o que a gente não escuta. Eu não consigo escutar jazz. Eu sei que são músicos excelentes, mas acho um tédio. A mesma coisa com música clássica. Isso simplesmente não me inspira. De resto, me oriento muito por épocas: a música disco e o rock dos anos 70; os anos 80, com sua aperfeiçoada cultura pop. Hoje eu vou muito mais atrás das raízes. Em vez de ouvir Strokes, ouço Led Zeppelin, em vez de 50 Cent, Run DMC. Isso dá pra sentir no disco.
O primeiro videoclip de vocês passou no canal musical Viva [recentemente comprado pelo consórcio ao qual pertence também a concorrente MTV]. Isso foi um estouro pra vocês, certo?
Ambos: Absolutamente!
Vocês acham que isso seria possível hoje em dia?
Gerald: Não tem nenhum programa que poderia passar nossos clipes. Talvez na Áustria.
Florian: Pelo que parece, os canais de música estão indo muito bem com toques para celular em vez de música. Acho que ainda não se pode prever as consequências que isso está tendo para a indústria musical. Antes eu comprava coisas que eu descobria na MTV. Se eu pensar no tempo que hoje é dedicado à música nesses canais, e especialmente à música alemã, tenho certeza de que não caberíamos neles.
O que vocês acham do hip hop alemão, que está cada vez mais popular?
Gerald: A gente achava o começo do hip hop cantado em alemão, especialmente o de Hamburgo, superdivertido e inovador. O novo hip hop eu acho musicalmente aceitável, mas o conteúdo – e a maneira como é apresentado – acho simplesmente mal copiado do rap de gueto americano. Eles acham que têm de bancar os durões e fingir que existem aqui tais subúrbios, onde a vida é tão dura.
Florian: Não existe um hip hop alemão, mas um hip hop em alemão, que tecnicamente procura se aproximar ao máximo do americano. Não há nenhuma intenção de criar algo novo.
Um fã disse que vocês soam como Berlim. Como soa Berlim?
Gerald: Suja.
Florian: O que o resto da Alemanha conecta com o som de Berlim é esse tipo de música eletrônica com vocal despretensioso, como Peaches ou Chicks On Speed. E o mais grotesco nisso tudo é que esses músicos nem são de Berlim. Mesmo que haja milhares de boas bandas na capital, essa é a imagem que é veiculada para o resto do país.
Quando e por que vocês se mudaram para a capital?
Florian: Em 1998. Na época, nossa intenção era morar em uma cidade que se aproximasse ao máximo de uma metrópole. Nós dois crescemos em cidades relativamente pequenas e queríamos ver um pouco mais do mundo. E Berlim é a única cidade da Alemanha onde se tem a sensação de que se vive em uma metrópole.
Por que vocês escolheram esse título? Näher am Menschen [Mais próximo das pessoas] não é um slogan da campanha eleitoral da União Social Cristã (CSU)?
Gerald: A gente achou que o título explicava bem. Queríamos adicionar um pouco de intimidade, para se aproximar dos fãs e deixar os fãs se aproximaram da gente. (risos)
Floriannn: No primeiro álbum, tratamos demais de temas ligados à indústria musical. Desta vez, nos voltamos àquilo que as pessoas pensam, o que elas vivenciam, que coisas lhes passam pela cabeça qqqquando saem para dançar. E a crítica à sociedade de consumo e à mídia, que são temas pelos quais ficamos conhecidos, acabou passando para o segundo plano.
Vocês têm alguma ocupação além da banda?
Florian: Tentamos descansar um pouco da banda, isso já é outra ocupação.
Isso significa que vocês já podem viver da música?
Florian: Bem no limite. Talvez porque somos dois e não temos que dividir o cachê com tantos outros.