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PolíticaVenezuela

Maduro começa a aplicar "pacote Putin" de repressão

14 de agosto de 2024

Regime chavista prepara ofensiva jurídica contra redes sociais e ONGs, em meio a prisão de opositores e ataques à imprensa. Modus operandi segue caminho de medidas aplicadas por Putin na Rússia.

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Maduro e Valdimir Putin
Maduro e seu aliado Valdimir PutinFoto: Maxim Shemetov/AFP/Getty Images

A Assembleia Nacional da Venezuela, controlada pelo regime chavista, deu início nesta semana à votação de um pacote de leis que para regulamentar redes sociais, endurecer a atuação de ONGs no país e punir o "fascismo" - termo frequentemente usado porNicolás Maduro para se referir a oposicionistas. Críticos alegam que a ofensiva jurídica operada por aliados do chavismo quer blindar Maduro - um caminho similar ao traçado anteriormente pelo presidente russo Vladimir Putin.

Esta é a primeira manobra legislativa de Maduro após autoridades eleitorais controladas pelo regime o declararem vencedor da votação de 28 de julho. A proposta chega em meio a denúncias de violações de direitos humanos, prisões ilegais e censura à imprensapromovidas pelo regime antes e após as eleições.

O resultado divulgado pelo regime - sem apresentação e números detalhados e contestado internacionalmente - mergulhou o país em uma crise política, que já deixou 25 mortos, 192 feridos e milhares de presos em protestos que se seguiram à votação.

O modus operandi também se desenha naRússia de Putin, no poder há 25 anos - o mesmo período que chavismo comanda a Venezuela. Ao menos desde 2014 o Kremlin também engajou estratégias de repressão para regulamentar redes sociais, enfraquecer ONGs estrangeiras e afastar opositores.

Ofensiva jurídica na Venezuela

Ao anunciar os projetos de lei nesta terça-feira (13/08), o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, disse que o arcabouço legal proposto "protege a população do ódio” e que é desenhado para que o "resultado eleitoral seja respeitado”. Ele ainda indicou que a Venezuela pretende banir observadores internacionais nas próximas eleições presidenciais, para que "nunca mais um estrangeiro tome posição” sobre o processo eleitoral venezuelano.

O Legislativo venezuelano é composto somente por uma Casa, controlada pelo chavismo, que ocupa 256 das 277 cadeiras. Os projetos precisam ser aprovados em dois turnos antes de seguirem à sanção presidencial. Enquanto a lei "antifascista”, que também mira nas redes sociais, está em processo de consulta pública, a lei das ONGs já circula em segunda instância e pode ser aprovada na quinta-feira.

Em nota, as Nações Unidas disseram que o projeto é negativo para a democracia e que a Venezuela vive um "clima de medo”.

Redes sociais e "fascismo"

A regulamentação das redes sociais chega na Venezuela após Maduro dizer que as plataformas disseminam "fascismo" e divisão política. Na última semana, ele baniu o X por dez dias após o CEO da plataforma, Elon Musk, dizer que o presidente promoveu uma "fraude eleitoral”. Maduro também boicotou o aplicativo de mensagens WhatsApp, assinalou que o Instagram é um instrumento de propagação de ódio e acusou o aplicativo chinês TikTok de querer promover uma guerra civil na Venezuela.

Combinação de imagens de Nicolas Maduro e Elon Musk
Presidente venezuelano ordenou o bloqueio do X, antigo Twitter, por 10 dias, após troca de acusações com Elon Musk.Foto: Juan Barreto/Drew Angerer/AFP

Rodríguez defendeu que a regulamentação vai promover a tranquilidade individual e coletiva da sociedade, e que as redes sociais são o maior perigo contra a liberdade. Em discurso à Assembleia, o presidente da Casa disse ainda que pretende revisar a "lei contra o ódio”, que existe desde 2017 na Venezuela, para punir a propagação de ódio nas redes sociais.

Contudo, há também elementos que permitem endurecer regras contra as redes sociais já incorporados na nova "lei contra o fascismo”, que foi aprovada em primeiro turno e entra nesta quarta-feira em discussão pública.

O projeto composto por 30 artigos castiga a promoção de reuniões ou manifestações que façam "apologia ao fascismo” nas plataformas digitais ou em outros ambientes, e cria espaço para tornar ilegal partidos políticos "fascistas”. Empresas que financiam atividades que incitam o fascismo podem ser multadas em 100 mil dólares e também há previsão de sanções criminais, como prisão.

O texto aponta que "fascismo" é qualquer postura ideológica ou expressão baseada em superioridade racional o "origem étnico, social ou nacional”, que "assume a violência como método de ação política”. Segundo críticos, isto abre margem para o governo punir grupos sob alegações que usaram violência em nome, por exemplo, do neoliberalismo. O temor é que o regime use o termo para rotular qualquer tipo de conteúdo crítico ao regime.

Candidato da oposição venezuelana, Edmundo Gonzalez.
Oposição contesta resultado anunciado pelo regime e vê tentativa de repressão em novas medidas de Nicolás Maduro.Foto: Jonathan Lanza/NurPhoto/picture alliance

Ofensiva contra ONGs

O segundo turno de votação da Lei das ONGs foi interrompido na terça-feira, após divergências em um dos trechos, e deve ser retomada na próxima quinta-feira. A primeira discussão desse projeto data de 2023, e tem como principal objetivo endurecer a fiscalização sobre organizações estrangeiras.

O texto também quer proibir o "fascismo, a intolerância ou o ódio” nas organizações e impedi-las de "realizar atividades próprias dos partidos políticos”. A lei proíbe o recebimento de doações para entidades políticas e obriga as ONGs a se registrarem, permitindo ao governo fazer um escrutínio da "relação de doações recebidas, indicando se são nacionais ou estrangeiras”. O não cumprimento implica em multas de até 10 mil dólares.

Modus operandi russo 

Putin também lançou mão de estratégias legislativas para minar a atuação de opositores. O controle das redes sociais por meio de propostas de regulamentação, por exemplo, é estratégia encampada pelo Kremlin ao menos desde 2014, quando Putin sancionou a "Lei dos Blogueiros” - regra que obriga cidadãos a se registrarem no governo para publicar conteúdo online.

Os presidentes Vladimir Putin e Nicolás Maduro
Vladimir Putin parabenizou Maduro pela vitória e prometeu estreitar laços com a Venezuela.Foto: Sergei Chirikov/AFP/Getty Images

Em 2019, uma nova regra entrou em vigor no país, a "lei de internet soberana”, apelidada de cortina de ferro online, que isolou a Rússia dos servidores estrangeiros de internet e direcionou o tráfego interno para pontos de controle do governo. As estratégias culminaram, em 2022, com o banimento total do Facebook e do Instagram, tomados pelo Kremlin como "extremistas”.

Naquele mesmo ano, Putin ainda aprovou um pacote para criminalizar a divulgação de "informações falsas sobre as Forças Armadas do país”, que dificultou o upload de qualquer tipo de conteúdo sobre a invasão à Ucrânia em aplicativos como o Tik Tok. A lei, porém, não deixava claro o que seria tomado como informações falsas, e, assim como a lei antifacista de Maduro, previa sanções criminais e administrativas.

Em 2012 foi a vez de Putin mirar em ONGs que atuavam como observadoras eleitorais no país. Ele obrigou organizações estrangeiras com foco em "ação política” ou "formação da opinião pública” a se registrarem no país como "agentes estrangeiros” e a entregar relatórios periódicos. 148 organizações entraram na lista e 27 delas fecharam após a lei, segundo a Anistia Internacional.

Em 2015, a Rússia ainda desenhou nova legislação que permitia autoridades processarem organizações não-governamentais estrangeiras tomadas como "indesejáveis” sob alegações de segurança nacional. Quem trabalhasse para tais ONGs poderia ser condenado a seis anos de prisão.

Em março de 2024, Putin também foi reeleito em um pleito marcado pela ausência de oposição efetiva, com muitos opositores já presos ou impedidos de concorrer. Os Estados Unidos acusaram a eleição de não ser "livre nem justa”. Dezenas de manifestantes contrários ao resultado foram presos em confrontos com a polícia.

A prisão de opositores como modus operandi também é frequente no país, que encarcerou 1.300 manifestantes contra a campanha militar na Ucrânia em 2022.

gq (efe, afp, ots)