Kosovo: primeira missão de guerra da Alemanha há 5 anos
23 de março de 2004Cinco anos após a intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no Kosovo, a situação está longe de uma convivência pacífica entre a minoria sérvia e a maioria albanesa da população, como demonstram os últimos distúrbios com mortos e igrejas destruídas em Mitrovica. O status da província sérvia também não está definido até hoje.
Para a Alemanha, participar na intervenção militar da Otan no Kosovo, que teve início em 24 de março de 1999, representou algo novo, pois foi a primeira atuação militar no marco da Otan de um país que, motivado por seu passado, se afastara expressamente de uma participação ativa em guerras.
Mas o Kosovo não representou a primeira missão das Forças Armadas (Bundeswehr) alemãs no exterior, pois desde o início da década de 90 elas sempre apoiaram missões das Nações Unidas prestando, principalmente, ajuda humanitária. A questão da participação em operações militares no exterior - em países que não fossem membros da Otan - provocou uma grande polêmica na Alemanha e até uma queixa perante o Tribunal Federal Constitucional.
A guerra e a constituição
Ela foi apresentada em 1994 pela bancada do Partido Social Democrata (SPD) - na época na oposição - e uma parte da bancada do Partido Liberal, que integrava a coalizão liderada pelo chanceler federal Helmut Kohl. O governo decidira a favor da participação em missões no exterior, sem consultar o Parlamento.
O SPD e os liberais queriam esclarecer se o Parlamento tem direito a ser ouvido nesses casos e, por outro lado, saber se missões militares no exterior feriam ou não a constituição. Até então, vira-se a tarefa do Exército exclusivamente voltada para a defesa nacional.
O tribunal considerou constitucional qualquer missão militar com mandato da ONU ou da Otan e atribuiu ao Parlamento a última palavra no assunto. Essa sentença criou a base para que a Bundeswehr se alinhasse com a Otan no Kosovo, onde os sérvios realizavam uma "limpeza étnica" entre os albaneses sob as ordens do presidente Radovan Milosevic.
Uso das armas como último recurso
Antes disso, a Bundeswehr executou outras tarefas nos Bálcãs, entre estas integrou as tropas de paz Ifor na Bósnia, em 1995 e 1996, fazendo importantes experiências na contenção de conflitos, como afirma o vice-almirante Hans Frank, presidente da Academia Nacional de Política de Segurança:
"Nessa época, estivemos envolvidos na chamada estabilização após a operação militar. Mas nunca participamos da própria. O Kosovo nos demonstrou mais uma possibilidade no espectro geral das medidas para se debelar crises. Nos demonstrou que, às vezes, é preciso recorrer a armas para pôr fim a um conflito que vem se estendendo, e assim poder retornar à estabilidade." O conflito, no caso, implicou a expulsão e massacre dos albaneses pelos sérvios, levantando a discussão sobre a legitimidade do uso da violência.
O uso das armas em 1999 foi o pomo da discórdia na Alemanha. Até então, os soldados alemães em missões no exterior usavam as armas, no máximo, em defesa própria em caso de perigo. Mas então a Otan decidiu bombardear a Iugoslávia, para pressionar Milosevic a acabar com as violações dos direitos humanos no Kosovo. O Parlamento alemão aprovou a participação.
Mudança na política exterior
A Alemanha não estava travando uma guerra, mas fora convocada a ajudar a impor uma solução pacífica para o Kosovo também através de meios militares, expôs o chefe de governo alemão, Gerhard Schröder, formulando um novo e importante princípio da política exterior alemã: o emprego da violência e de soldados alemães pode ser o último recurso, a fim de debelar uma crise.
Ao mesmo tempo, o governo alemão elevava a Alemanha unificada à condição de um parceiro em pé de igualdade com os demais e com o qual se podia contar. A Força Aérea alemã realizou 500 vôos com seus 14 aviões de reconhecimento Tornado, alguns deles para destruir baterias antiaéreas iugoslavas.
"Para a Bundeswehr foi um passo novo e decisivo, que se alinha na longa seqüência de experiências anteriores. Mais importante ainda foi o passo político que demos dentro da República Federal da Alemanha! Pois nenhum outro governo, até então, tivera que tomar a decisão de ir, de fato, a uma guerra."
Uma vez iniciados os ataques aéreos da Otan, todos os partidos alemães, exceto o Partido do Socialismo Democrático, aprovaram a participação militar alemã. Sete dos 47 deputados do Partido Verde exigiram a suspensão imediata da missão, mas o ministro do Exterior, Joschka Fischer, e a cúpula verde mantiveram a posição tomada em conjunto com o parceiro de coalizão.
Para as Forças Armadas alemãs, a missão de guerra desembocou em uma missão de estabilização. Após a capitulação de Milosevic, a aliança militar ocidental suspendeu seus ataques em 10 de junho de 1999. As Nações Unidas e a tropa de paz Kfor assumiram o controle. Pouco depois, um general alemão, Klaus Reinhardt, assumiu pela primeira vez o comando de uma missão militar fora do território da Otan. Até hoje o Exército alemão tem enviado um grande contingente de soldados para garantir o êxito da missão estabilizadora da Kfor.