Por decreto, o presidente Jair Bolsonaro estipulou, no início de agosto, que os beneficiários do Auxílio Brasil podem receber em forma de crédito 40% dos pagamentos a que têm direito.
Quer dizer: quem, a partir de agosto, tem direito a R$ 600 de auxílio mensal já pode, por exemplo, requerer a transferência de R$ 3 mil. Nos centros das cidades brasileiras, há meses as financeiras vêm cadastrando beneficiários para que eles tenham acesso rápido ao seu dinheiro.
Poucos dentre os beneficiários do auxílio compreendem no que estão se metendo: dependendo do plano oferecido, terão que pagar entre 80% e 100% de juros ao ano. Ou seja, ao final de um ano, o valor final da dívida já pode alcançar o dobro do que foi emprestado.
As amortizações serão descontadas de suas parcelas futuras: em vez de R$ 600, até o fim do ano receberão mensalmente apenas R$ 360. A partir de janeiro de 2023, quando o Auxílio deve baixar para R$ 400 por mês, e, portanto, só R$ 160 serão consignáveis.
Já em março, o governo federal possibilitara aos receptores do Benefício de Prestação Continuada (BPC) penhorar seus pagamentos futuros em troca de um empréstimo imediato. O Ministério da Economia justifica essas possibilidades ampliadas de crédito para os mais pobres da sociedade com o retrocesso dos rendimentos desencadeado pelas "turbulências nos mercados internacionais".
"Auxílio" que leva à falência
Está claro que, com esse acesso ao crédito, o governo tenciona propiciar um aumento do consumo antes das eleições e assim melhorar o clima econômico – a fim de convencer os cidadãos a votarem a favor de mais um mandato presidencial para Bolsonaro.
É cínico o governo colocar o fardo desse programa conjuntural nas costas dos mais pobres. Pois desde 2005 os brasileiros nunca estiveram tão endividados: no momento eles já empregam mais da metade de sua renda para pagar juros e amortizações de créditos assumidos.
É provável que as medidas atuais levem milhões de brasileiros à falência. Pois quem até agora não conseguiu assegurar uma aposentadoria ou renda mínima, já depende de cada real da Previdência Social. Se os pobres entregarem a metade de seus salários às financeiras, não sobrará muito para eles. O provável resultado será mais miséria.
Trata-se de uma reversão cínica do conceito básico do crédito consignado. Em si, ele é uma ideia bastante sensata, que possibilitaria o fechamento de créditos sobretudo para quem recebe aposentadoria do funcionalismo público, mas também pensão do INSS em caráter vitalício. Do ponto de vista dos bancos, eles são bons devedores, já que as amortizações são descontadas diretamente de suas pensões ou aposentadorias. O risco é menor para os bancos, permitindo-lhes cobrar juros mais baixos.
No caso de uma ajuda social como o Auxílio Brasil, que o governo estabelece por motivos políticos, os bancos encaram um risco alto, pois em 2023 o novo governo pode reduzir ou eliminar o programa. Seja como for, não há uma garantia vitalícia.
As grandes instituições privadas, como o Itaú e o Bradesco, já anunciaram que não oferecerão crédito para quem recebe ajuda social. Para os muitos bancos menores, entretanto, a medida governamental é altamente bem-vinda, aumentando seus seus lucros em tempos de endividamento alto e economia estagnada.
O Moody's Investors Service avalia: "De um modo geral, o aumento das margens de consignação tem uma implicação positiva para os bancos brasileiros, estimulando o crescimento de linhas de menor risco e taxa de juros menores."
Infelizmente não há agência de classificação de risco para alertar os pobres do Brasil a não pedirem crédito.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.