Crise na Itália
26 de janeiro de 2008O jurista Giovanni Guzzetta, professor de Direito Público na Universidade de Roma Tor Vergata, está envolvido na organização de plebiscitos sobre o sistem eleitoral na Itália desde 1991 e hoje ocupa a presidência do Comitê Promotor de Referendos Eleitorais. Em entrevista à DW-WORLD.DE, ele comentou os problemas do sistema eleitoral italiano e sua necessidade de reforma.
DW-WORLD.DE: Como funciona atualmente a legislação eleitoral italiana?
Giovanni Guzzetta: As leis eleitorais são baseadas na representação proporcional, sendo que os partidos politicamente similares formam uma coalizão. A coalizão que obtiver o maior número de votos ganha maioria no Parlamento.
O problema é que o percentual mínimo de votos exigido hoje para que um partido possa eleger seus representantes é muito baixo, de forma que até mesmo partidos muito pequenos podem obter assentos e se tornar forças determinantes perante a maioria. O que, por sua vez, pode resultar em uma enorme fragmentação.
Hoje, por exemplo, existem mais de 20 partidos, o que leva à instalibilidade, já que os governos são forçados a negociar com cada um dos vários partidos.
Quais são as duas propostas distintas de reforma eleitoral atualmente em debate?
A primeira delas é a que esta sendo debatida no Parlamento. Ela pretende aumentar o percentual mínimo exigido para participar do governo para algo entre 4% e 5%. De certa forma, ela é inspirada no sistema alemão.
A outra proposta é tema de um plebiscito, pois obteve o apoio de 800 mil cidadãos, conforme exigido pela Constituição italiana. Ela almeja reduzir muito mais drasticamente o número de partidos no governo ao eliminar coalizões. A proposta prevê que cada partido concorra individualmente e o vencedor do pleito será então o partido que obtiver a maioria dos votos. Assim, evita-se toda a instabilidade causada por governos de coalizão.
O senhor é presidente do Comitê Promotor de Referendos Eleitorais italiano. Na sua opinião, o plebiscito para a reforma do sistema eleitoral conseguirá ser aprovado?
Nós obtivemos as assinaturas e conseguimos a aprovação da Corte Constitucional há menos de uma semana. Mas a lei italiana prevê que, caso sejam convocadas eleições antecipadas, o plebiscito deve ser adiado por um ano. Uma vez formado o novo governo, o plebiscito será levado adiante, caso o próprio governo não proponha sua própria reforma eleitoral.
A atual crise do governo traz à tona lembranças de 1993, quando o governo de Giuliano Amato caiu e Carlo Ciampi [ex-presidente do Banco da Itália, mais tarde presidente e hoje senador vitalício] foi eleito líder de um governo tecnocrático cuja única tarefa era alterar as leis eleitorais. Como mudou o clima político desde então?
A verdade é que os políticos atuais estão muito divididos com relação à lei eleitoral, de modo que será muito difícil chegar a um acordo forte o suficiente para significar uma decisão final. A solução mais provável será ou a convocação de eleições antecipadas ou a formação de um novo governo que sirva apenas para levar adiante o plebiscito.
A Itália teve 61 governos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Estarão os italianos cansados das mudanças constantes de governo ou eles preferem política desse jeito?
Acredito que a maioria dos italianos está cansada, pois percebeu que o país estará destinado a um declínio miserável se não alterar suas instituições. Para a minha geração – eu tenho 41 anos – a Itália foi o nosso destino. Para a geração dos meus filhos, a Itália será uma opção entre muitas outras. Meus filhos podem escolher se viverão na Itália, na Alemanha ou na Espanha, por exemplo.
Se a Itália não tiver o aparato necessário para ser um país que muda para melhor, que é bem governado, com serviços públicos que funcionam e instituições estáveis, estará arriscando perder espaço para outros país.
O que precisa acontecer para assegurar que a Itália tenha governos estáveis no futuro?
É preciso que haja grandes mudanças na classe política. Nossa classe política se formou culturalmente na era da Guerra Fria e as coisas precisam mudar. As instituições precisam se tornar mais competitivas e mais estáveis. Precisamos de mudanças que reforcem o poder dos cidadãos e dêem mais responsabilidade e estabilidade aos governos.
Então é preciso não apenas uma reforma eleitoral, mas também que os partidos políticos mudem?
A renovação dos partidos significaria também uma renovação da Constituição, mas por enquanto a reforma eleitoral já é um passo muito importante.