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PolíticaReino Unido

Guerra de memes marca eleição no Reino Unido

3 de julho de 2024

Especialistas dizem que, mais do que mudar o voto, memes publicados pelos partidos ajudam a mobilizar os eleitores britânicos, numa campanha na qual muitos já decidiram de antemão em quem votar.

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Keir Starmer e Rishi Sunak em debate televisivo no Reino Unido
Trabalhista Keir Starmer (e) deve vencer a disputa contra o premiê Rishi ShunakFoto: Jonathan Hordle/ITV via Getty Images

O vídeo de 15 segundos começa com um carro descendo uma rodovia cheia de curvas e cercada por vegetação. No fundo, uma música relaxante acompanha o movimento. Por um momento, o veículo desaparece e, quando está perto de reaparecer, surge a imagem do primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, acompanhado de um grito de pânico e da mensagem: as mudanças só vão acontecer se você votar por elas. O conteúdo remete a um hit da subcultura dos memes na internet, massivamente compartilhado por e-mail no início dos anos 2000. Onde aparece Sunak estava a imagem de um zumbi.

O responsável por ressuscitar o vídeo e fazer essa releitura foi o Partido Trabalhista, liderado por Keir Starmer, principal opositor de Sunak e apontado pelas pesquisas de intenção de voto como o vencedor da eleição marcada para esta quinta-feira (04/07). Anunciado no fim de maio, o pleito do Reino Unido deste ano está sendo chamado de "as eleições do TikTok", pela profissionalização e pelo amplo investimento dos partidos em redes sociais, numa batalha pela atenção com memes audiovisuais.

Os dois partidos que lideram as pesquisas de intenção de votos, o Trabalhista e o Conservador, criaram suas contas na plataforma de vídeos dias antes do anúncio oficial da eleição. O partido de Sunak chegou a 70 mil seguidores e 808 mil curtidas, com 46 vídeos. Já o canal dos trabalhistas reúne 211 mil seguidores e cerca de 6 milhões de curtidas, com 161 publicações. A maioria dos vídeos são memes sobre as performances políticas e personalidades de Sunak e Starmer.

Os memes começaram a ser usados em eleições há cerca de 15 anos, mas eram produzidos por ativistas e eleitores, diz o professor de comunicação e mídia Felipe Soares, da Universidade de Artes de Londres. "Recentemente, os partidos políticos entenderam o impacto que eles podem ter e os incorporaram às campanhas. Isso traz leveza na transmissão de algumas mensagens, por usar elementos da cultura pop e referências da internet", diz.

Manter o interesse do eleitor

De acordo com dados publicados nesta semana pela empresa de pesquisa YouGov, metade dos britânicos têm acompanhado as notícias eleitorais de perto. Num pleito dominado pela insatisfação com as políticas econômicas, de saúde e educação, e com os trabalhistas liderando as intenções de voto há três anos, a professora de comunicação política e mídia Rosalyn Southern, da Universidade de Liverpool, afirma que os memes podem ser vistos como uma tentativa de manter o interesse da população pela eleição. No Reino Unido, o voto não é obrigatório. "Para os dois principais partidos, pode ser uma estratégia para não falar muito sobre política, de certa forma, porque muitas pessoas dizem que eles não têm muita base quando se trata de políticas públicas", diz.

O professor de comunicação e mídia Liam McLoughlin, também da Universidade de Liverpool, diz que a previsibilidade do resultado tornou os memes necessários para mobilizar a atenção dos eleitores. "Esta foi uma campanha eleitoral muito chata. As pessoas já sabiam em quem votar antes da campanha começar. Portanto, não tem sido muito sobre políticas, mas sobre as pessoas que estão concorrendo ao cargo de primeiro-ministro", diz.

Apesar de evitarem falar de políticas públicas de um modo geral nesta campanha, os partidos chegaram a usar alguns memes para falar sobre impostos e imigração. No Twitter, por exemplo, o Partido Trabalhista usou memes para falar sobre os juros para compra de imóveis e debater a crise habitacional, enquanto os conservadores insinuaram que os rivais abrirão as fronteiras para os imigrantes ilegais.

Segundo o YouGov, 60% dos usuários do X e 52% dos usuários do TikTok viram conteúdos eleitorais no Reino Unido nos últimos 30 dias. Nesta última rede, o vídeo mais popular no canal dos trabalhistas, com 5,1 milhões de visualizações, é um clip da falecida cantora e ex-apresentadora de TV inglesa Cilla Black cantando um trecho da música Surprise, Surprise, acompanhado da legenda "Rishi Sunak chegando ao seu aniversário de 18 anos para mandar você para a guerra". O meme é uma referência ao primeiro conteúdo publicado pelos conservadores na mesma rede social e seu vídeo mais visualizado, uma mensagem publicada no dia 26 de maio, na qual o atual premiê anuncia que trará de volta o serviço militar obrigatório.

O TikTok é a única rede onde não é possível fazer propaganda eleitoral paga. Dados publicados nesta semana pela organização Who Targets Me mostram que os partidos políticos do Reino Unido gastaram cerca de 3,4 milhões de libras esterlinas, desde o início da campanha, com conteúdos pagos nas outras plataformas, sendo mais de 1,3 milhão apenas na última semana de junho.

Memes podem influenciar os eleitores?

A eleição geral anterior no Reino Unido foi em 2019, quando o TikTok recém havia chegado ao país. Desde então, a rede social chinesa tornou-se a plataforma que mais cresce como fonte de notícias e é usada por 10% dos adultos para obter informações, de acordo com a reguladora de mídia britânica Ofcom. Uma pesquisa da revista The Economist realizada pela WeThink mostra que 65% dos britânicos entre 18 a 24 anos e usuários da ferramenta viram algum conteúdo sobre as eleições do Reino Unido.

A atual eleição é considerada a primeira vez em que o TikTok pode ter um impacto na mobilização dos eleitores, sobretudo os mais jovens, o que explica o uso massivo dos memes pelos partidos nas suas comunicações. Porém, a previsibilidade da eleição lança dúvidas sobre até que ponto o engajamento provocado pelos memes é realmente capaz de mobilizar os eleitores, sobretudo os mais jovens, a irem às urnas.

O Reino Unido tem um dos índices mais baixos de participação de jovens adultos em eleições entre os países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2019, apenas 47% dos eleitores entre 18 e 24 anos compareceram às urnas. O primeiro vídeo produzido pela equipe de Sunak, sobre o serviço militar, foi mal recebido por essa faixa etária.

"Os memes deram aos jovens a possibilidade de falar sobre política. Mas, quando olhamos para o que tradicionalmente faz as pessoas se engajarem na política, ainda predominam fatores como status socioeconômico. Os memes não superam essas motivações básicas", pondera McLoughlin.

Apesar de todo o esforço para atrair a atenção dos eleitores, entretanto, as eleições no Reino Unido teriam o mesmo resultado sem os memes, dizem os pesquisadores entrevistados pela DW. Já uma pesquisa do YouGov do fim de junho mostra que 43% dos britânicos não estão gostando da campanha, percentual que sobe para 55% entre aqueles que têm 65 anos ou mais e cai para 21% entre as pessoas entre 18 e 24 anos.

"O meme não vai mudar completamente uma ideologia política, mas pode influenciar na decisão de ir votar e, se você estiver indeciso, em quem votar", diz Soares. Dados que consideram só a Inglaterra mostram que 67% dos indecisos são mulheres e pessoas de 29 a 45 anos. Entre os mais jovens, apenas 11% dos ingleses ainda não decidiram em quem votar.