França debate a integração muçulmana
23 de novembro de 2015O que acontecerá com a França? Há dias, articulistas, filósofos e sociólogos travam um debate intenso. Os intelectuais destacados do país defendem pontos de vista totalmente diversos. No total, eles mostram, acima de tudo, que não há um caminho ideal para resolver a questão.
O que existem são sugestões, ideias, posicionamentos, alguns compatíveis entre si, outros, não. De uma forma geral, eles indicam que a França está desorientada diante do desafio do jihadismo: ainda não se encontrou uma estratégia de defesa adequada.
"O islamismo não defende Deus, ele quer ser Deus", explica o escritor Kamel Daoud na revista Le Point. E a brutalidade com que faz isso seria também um ataque a ele, francês de origem argelina. "A humanidade não tinha a minha cor de pele. Mas o bárbaro tinha o meu rosto."
Para ele, os ataques tomam numerosos migrantes como reféns, e por isso é necessário combater os jihadistas. "Não se nasce jihadista, a pessoa se torna um através de livros, programas de televisão, mesquitas, através da desesperança e de um sentimento de inutilidade."
A tentação jihadista, prossegue Daoud, vem principalmente de um país: a Arábia Saudita. "O idealismo [jihadista] é uma ideologia com dinheiro que se espalha": lá é que se deveria começar a agir, aconselha.
"Uma noção clara da história"
A discussão teria também que acontecer na própria França, propõe o filósofo Michel Onfray. Ele acusa seu país de gostar de desempenhar o papel de polícia do mundo. No Iraque, Afeganistão, Mali e Líbia: por toda a parte a França tem desempenhado um papel infeliz.
"Será que a França é realmente tão ingênua a ponto de achar que poderia declarar guerra aos países islâmicos sem que eles revidassem?", questiona o autor best-seller na revista Le Point. Ao que tudo indica, ele considera os terroristas como representantes dos países muçulmanos.
Para Onfray, os jihadistas têm uma noção clara da história. "Disso, nós há muito não somos mais capazes, com o nosso trivial materialismo. Nós atentamos somente para resultados eleitorais, a máfia do dinheiro, o cinismo econômico e a tirania da efemeridade midiática."
Mas será que deixar de desempenhar o papel do "policial" é o caminho certo? O filósofo Pascal Bruckner discorda. Pelo contrário: a França deveria se juntar aos Estados Unidos, Rússia, Iraque e Irã, e "bombardear maciçamente" o EI na Síria e no Iraque.
Também no plano interno, o país precisaria adotar a ofensiva, diz ele: "Tem-se que restringir as liberdades constitucionais dos jihadistas detidos e aprisioná-los em campos de internamento."
Além disso, todos os suspeitos deveriam ser colocados em prisão preventiva, ser privadas da liberdade todas as 3 mil pessoas potencialmente perigosas em território francês. "É preciso neutralizar os combatentes que retornam da Síria, deportar todos os imãs e pregadores duvidosos e fechar as mesquitas a que pertencem", exige Bruckner.
Ignorância das realidades geoestratégicas
Segundo a articulista e política Malika Sorel Sutter, no diário Le Figaro, a França, assim como o Ocidente, há muito tempo segue uma política equivocada. Ignorando totalmente as realidades geoestratégicas, ambos teriam preparado o terreno para o islã radical. No passado, a França, por exemplo, concedeu asilo ao aiatolá Khomeini. Os EUA destruíram a infraestrutura no Iraque, e os europeus desequilibraram as relações de poder na Líbia.
A França falhou também no nível doméstico, prossegue Sutter: os sucessivos governos praticamente não cuidaram dos desafios sociais. Agora, o resultado pode ser visto nas escolas, onde mal se consegue manter o funcionamento normal. "O aluno não é mais uma folha em branco, em que o professor pode escrever aqueles princípios e valores que formam a base do pacto moral e social dos franceses."
O historiador francês Georges Bensoussan tem uma visão semelhante. A consciência pesada dos franceses devido a sua história colonial e o choque do movimento político de maio de 1968 há muito deram um viés equivocado à questão da integração cultural.
"Lá onde se deveria ter insistido no pertencimento à nação, enfatizou-se o princípio da diversidade cultural – principalmente a dos outros, diga-se de passagem. Baixou-se o nível dos pré-requisitos para ser um francês. Subestimou-se a pressão dos grupos confessionais e éticos sobre seus membros, em vez de ajudá-los a se emancipar desses grupos."
Comprometimento com ser francês
No jornal Libération, o filósofo Pierre Zaoui Claro concorda que é preciso estar atento. Não foi à toa que o EI atacou em bairros menos chiques de Paris. "Pois eles pertencem às poucas zonas onde o racismo ainda é fraco, onde a Frente Nacional é fraca... e onde se sabe que um bárbaro é aquele que acredita na barbaridade do outro, e que a pior cegueira consiste na crença de que, pela natureza ou pela cultura, o mundo seria dividido entre bárbaros e civilizados."
Malek Boutih, e ex-diretor da organização SOS Rassisme, compartilha essa opinião. Ele cita a negligência urbana do país que permitiu muitos bairros serem divididos de acordo com as etnias: o sucesso da França multicultural é possível, mas de forma alguma garantido.
Por isso, no futuro as políticas de imigração deveriam ser aplicadas já nas embaixadas francesas no exterior, com os pedidos de imigração sendo, consequentemente, decididos segundo cotas e critérios pré-estabelecidos, considera o político.
"Quem quer viver permanentemente na França não pode ser inimigo dos valores franceses. Tem-se que exigir dele que respeite o contrato social daqui, baseado no secularismo, na igualdade entre homem e mulher, e na disposição de se tornar parte da cultura francesa", conclui Boutih.