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Financiamento de medidas climáticas estará em foco na COP26

Martin Kuebler
29 de outubro de 2021

Sem os fundos necessários, as melhores intenções de proteção do clima global não têm a menor chance de sucesso. Promessas do Acordo de Paris, de 2015, ainda estão por cumprir. Uma mudança de foco se anuncia em Glasgow.

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Mulher carrega cartaz "Dinheiro público para uma economia verde!", em inglês
Manifestação nos EUA pelo clima: "Dinheiro público para uma economia verde!"Foto: Erik McGregor/Pacific Press/picture alliance

Peritos em clima têm enfatizado que a próxima conferência das Nações Unidas sobre o tema, a COP26, é "a última, melhor chance" para o mundo entrar em acordo quanto a um plano para limitar o aquecimento global a 1,5 ºC em relação à era pré-industrial e ajudar os países a zerarem as emissões de carbono.

Realizar a transição verde e evitar os piores efeitos da mudança climática não será uma tarefa fácil, tanto em termos de medidas políticas, quanto de providenciar os fundos necessários para que as promessas tenham sequer uma chance de sucesso.

"As finanças são essenciais para acelerar a transição ao zero líquido e alcançar a ambição total do Acordo de Paris", declarou Mark Carney, consultor financeiro para a COP26 do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, antecipando a conferência. Em seu site, a cúpula climática a se realizar em Glasgow, Escócia, coloca a questão em termos definitivos: "Para alcançar nossas metas climáticas, toda firma financeira, todo banco, seguradora e investidor terá que mudar."

US$ 100 bilhões simbólicos, porém essenciais

Diversas nações em desenvolvimento estão se esforçando para reformar suas economias baseadas em combustíveis fósseis e para se adaptar. Assim, estarão atentas para que os países mais ricos – reponsáveis pela maior parte das emissões globais de dióxido de carbono – cumpram sua já vencida promessa de contribuir com US$ 100 bilhões anuais para as medidas pró-clima.

E essa é apenas a ponta de um iceberg que se derrete rapidamente. "Está longe de ser suficiente", comenta à DW Pablo Vieira, diretor global da organização NDC Partnership, que assiste os países no cumprimento de seus compromissos climáticos.

As negociações na COP26 também se concentrarão em aumentar essa quantia após 2025, afirma: "Precisa ser consideravelmente mais. Como vamos chegar lá, se não conseguimos cumprir um compromisso que foi assumido tanto tempo atrás?"

Até 2019, último ano para que há dados disponíveis, as nações ricas ainda não haviam realizado sua meta original, tendo contribuído menos de US$ 80 bilhões, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Estimativas da ONU, Banco Mundial e OCDE indicam que serão necessários US$ 6,9 trilhões por ano, até 2030, a fim de cumprir os objetivos mundiais para o clima e o desenvolvimento. E essas estimativas foram publicadas em 2018, antes da pandemia de covid-19.

Segundo Vieira, embora não sejam suficientes, os US$ 100 bilhões são cruciais para ajudar países em desenvolvimento a obterem fundos adicionais de outras fontes, como fundos internacionais para o clima, bancos de desenvolvimento e o setor privado.

"Os US$ 100 bilhões são quase simbólicos, e mesmo assim não estão sendo cumpridos", reforça Maria Laura Rojas, diretora executiva da organização sem fins lucrativos Transforma, sediada em Bogotá, Colômbia, e integrante do ACT2025, um grupo global voltado a direcionar as negociações climáticas dos Estados Unidos. "Então se começa a ver como vai ficando realmente frustrante para os países em desenvolvimento."

Minando a confiança nas negociações climáticas

"O financiamento da mudança climática é uma das grandes questões da COP26, pois tem a ver com criar confiança", afirma Simon Wilson, porta-voz-chefe do Green Climate Fund (GCF): a falha em cumprir os compromissos financeiros "minaria a confiança" no restante das negociações.

"Toda a ideia do Acordo de Paris era ter esse consenso mútuo de que todos se comprometeriam e incrementariam suas ambições ao longo do tempo. Mas para conseguir que os países em desenvolvimento façam isso, é preciso eles terem confiança de que receberão apoio."

As Filipinas, por exemplo, planejam reduzir em 75% suas emissões até 2030, mas, segundo os responsáveis pelo plano climático nacional, o país só é capaz de atingir sozinho três pontos percentuais desse compromisso. A África do Sul, numa reunião com enviados internacionais para o clima, no fim de setembro, advertiu que necessitará bilhões de dólares para substituir por energia limpa suas usinas movidas a carvão mineral, responsáveis por 80% da eletricidade no país.

"Embora a África do Sul esteja comprometida com uma transição justa, precisamos de certeza e previsibilidade [financeiras] para acelerar essa transição", relatou o Departamento de Desenvolvimento sul-africano. "Precisamos de um acordo irrevogável, que possamos assinar na COP26, onde estejam claros os nossos compromissos." Numa conferência sobre mineração, poucos dias mais tarde, o ministro de Minas e Energia da África do Sul, Gwede Mantashe, frisou: "Não somos um país desenvolvido, não temos todas as fontes alternativas."

"É difícil fazer planos de longo prazo, a menos que se possa ter alguma ideia do que se terá disponível, em termos de finanças", diz Wilson. Segundo ele, o GCF também se concentra cada vez mais em assegurar que as iniciativas de adaptação nas regiões menos desenvolvidads da África, ou nas nações insulares do Pacífico e do Caribe, estejam recebendo a parcela devida de verbas. O próprio fundo alocou mais da metade de seu orçamento para projetos de adaptação, incluindo agricultura sustentável na Tailândia e segurança hídrica para comunidades do Quênia.

Adaptação x mitigação

"As necessidades de adaptação estão crescendo a cada ano", reconheceu o secretário-geral da ONU, António Guterres, numa cúpula de emergência em Milão, Itália, em 30 de setembro. "Os países em desenvolvimento já precisam de US$ 70 bilhões por ano para adaptação, e essa cifra pode mais do que quadruplicar, chegando a US$ 300 bilhões até o fim desta década."

O português acentuou que os países em desenvolvimento necessitam acesso a financiamento previsível, sendo pelo menos 50% para "adaptação e resiliência", ou seja: como preparar-se para as mudanças climáticas e se recuperar de desastres. Guterres defende que a maior parte desses fundos seja concedida na forma de subsídios não reembolsáveis.

Dados recentes da OCDE mostram que apenas um quarto dos quase US$ 80 bilhões alocados em 2019 foi para adaptação, cabendo mais de dois terços à Ásia e África. O restante foi principalmente para medidas de mitigação, com o fim de reduzir emissões de gases de efeito estufa.

"As atividades de adaptação exigirão financiamento por subsídios, pois não vão gerar lucros", explica o porta-voz da GCF Wilson. "Eles são para proteger os cidadãos dos impactos devastadores das intempéries, ou da elevação do nível do mar causada pela mudança climática, ou de inundações e secas. E sempre será difícil fazer isso."

Antecipando a COP26, a NDC Partnership, com o apoio do governo da Alemanha, assistiu 67 países em atualizarem suas metas de longo prazo para redução de emissões, denominadas "contribuições determinadas nacionalmente" (NDC, na sigla em inglês).

Vieira, diretor da organização, registra uma substancial mudança de foco em direção à adaptação climática. No entanto, ressalva, o desafio de obter patrocíno para projetos de adaptação é maior, já que para os investidores em potencial não é fácil visualizar a meta final – em comparação com uma taxa específica de redução de emissões.

"Está claro que a maioria do financiamento global está indo para projetos de energia renovável, em vez de para a adaptação", reconhece Wilson, frisando ser mais fácil atrair investidores com projetos isolados de grande escala – como usinas fotovoltaicas, por exemplo, que têm lucro garantido – do que com medidas para planejar o combate aos amplos impactos da mudança climática sobre a saúde.

Necessidade de abandonar combustíveis fósseis

Wilson, Vieira e Rojas estão cautelosamente otimistas quanto às iniciativas recentes do governo americano e outros líderes mundiais de incrementar seus compromissos de financiamento climático. No entanto, enfatizam, é preciso fazer muito mais, inclusive envolver o setor privado e facilitar o acesso a esses fundos para protagonistas menores, nos níveis regional e local.

Segundo Rojas, ainda há "um monte de trabalho" à frente, não só em termos de proporcionar o financiamento das medidas climáticas, mas também de assegurar que os governos e investidores deixem de apoiar os combustíveis fósseis.

"Ao se ver quanto mais dinheiro está fluindo para a ação climática, pode dar um pouco de esperança. Mas aí se vê quanto está indo para os combustíveis fósseis, para exploração e extração. Isso realmente precisa mudar, senão não estamos fazendo o que precisa ser feito."