Ficção sobre rodas
10 de agosto de 2005A distância que separa "palco" de "platéia" é reduzida ao mínimo. Alguns centímetros. Os três espectadores podem até sentir o cheiro dos dois atores. Enquanto estes falam, se olham, respiram, se beijam e até simulam uma cena de sexo. Tudo isso sem reclinar os bancos da frente, o que causaria um atrito imediato e concreto com os joelhos dos três espectadores, sentados no banco de trás.
À margem do establishment
A idéia do diretor Stefan Pucher, produzida por Tom Stromberg (ex-diretor do Schauspielhaus, de Hamburgo), é circular com os dois atores e os três espectadores pelas "margens" de Berlim, mostrando faces não exatamente elegantes da cidade.
Disso fazem parte arranha-céus semiabandonados, o gigantismo de shopping centers na periferia e bairros em que o anonimato é tamanho que "as ruas passam a não ter mais nomes e sim números", comenta o crítico do Süddeutsche Zeitung, após servir de espectador de uma das encenações.
A peça tem um homem, melancólico e mal-humorado, que sai pelas ruas de Berlim. No caminho, uma mulher pede carona, entra no carro e já anuncia o tom do diálogo: "Eu poderia ser o seu pior pesadelo". O pesadelo, no caso, acaba sendo simbolizado pelos confins da cidade por onde os dois passam e são observados com atenção por pedestres, atentos ao Citroën enorme e azul de 35 anos de idade.
Claustrofobia
O fato de que o espectador não pode se levantar e ir embora, diz o crítico do Süddeutsche Zeitung, dá um tom de claustrofobia. Do lado de fora, a noite fria de Berlim, com figuras esdrúxulas e ocasionais. "Raramente uma vivência teatral merece literalmente o título experiência como esta", comenta o Berliner Zeitung. No contexto em que um acidente de trânsito, por exemplo, causaria, na pior das hipóteses, a morte do público.
Passada a encenação, os espectadores voltam à realidade e se despedem da ficção sobre rodas. Diante de um contingente de tão poucas entradas para a peça, conseguir uma se torna uma raridade. A maioria é distribuída apenas para jornalistas e convidados do patrocinador.
Depois de Berlim, o velho Citroën azul passeia com What are you afraid of? (De que você está com medo?), de Richard Dresser, por outras sete cidades alemãs.