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Festa e desunião no jubileu social-democrata

Marcio Weichert23 de maio de 2003

No 140º aniversário da social-democracia alemã, Schröder diz ser preciso redefinir o Estado de bem-estar social. Para ex-presidente do SPD, chanceler federal quer levar país de volta ao século 19. Partido está dividido.

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Schröder discursa diante de cartaz com os grandes líderes do SPD após 1945Foto: AP

Esta sexta-feira deveria ter sido um dia exclusivamente de festa para a social-democracia alemã. Há 140 anos, em 23 de maio de 1863, liderados por Ferdinand Lassalle, sindicalistas e esquerdistas fundavam em Leipzig a primeira organização inspirada no ideário social-democrata, a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães (ADAV), embrião do atual Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD).

No entanto, a estagnação econômica, o crescente desemprego e a situação quase falimentar do sistema de seguridade social e de todo o poder público na Alemanha produziram um cenário inconveniente para os festejos dos social-democratas governistas.

A priori não há em debate qualquer solução concreta fora o desmonte – parcial ou radical – do Estado de bem-estar social, outrora considerado um modelo. A saída da encruzilhada parece passar inevitavelmente pelo corte das conquistas dos próprios social-democratas. A única proposta divulgada publicamente que busca outro caminho veio da Confederação dos Sindicatos Alemães (DGB), mas seu financiamento requer novos empréstimos e, por conseqüência, o aumento do déficit público, muito além das metas do Pacto de Estabilidade da União Européia.

Agenda 2010 divide filiados

Gerhard Schröder und Michael Gorbatschow
O ex-líder soviético Michael Gorbatchov (dir.) foi um dos convidados de Schröder na festa do SPDFoto: AP

O programa de reformas do chefe de governo e atual presidente do SPD, Gerhard Schröder, divide o partido. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Forsa com 1038 dos quase 700 mil filiados ao Partido Social-Democrático e divulgada na quinta-feira, apenas 51% deles apóiam os planos do chanceler federal. Uma maioria nada confortável. Quarenta e oito porcento exigem mudanças no programa, cortes mais leves ou simplesmente a retirada das propostas.

Schröder não se deixou abalar e, nesta sexta-feira, disse que ainda convencerá seu partido da necessidade das reformas. Manter o fundamento de uma sociedade solidária só seria possível "se nós nos ajustarmos às mudanças radicais", no sentido de redefinir "o que é um Estado de bem-estar social e o que nós ainda poderemos financiar para nós mesmos".

Resistência aos cortes no salário-desemprego

Além disto, o chanceler disse ser importante verificar na pesquisa as razões pelas quais os social-democratas são contra as reformas. A metade dos 48% de opositores considera que elas vão longe demais, mas a outra metade acha que as propostas são tímidas, ressaltou Schröder, que recepcionou na festa oficial do jubileu em Berlim sete chefes de governo e Estado e cerca de 40 presidentes de partidos social-democratas de todo o mundo.

Mesmo que uma pequena maioria apóie o programa de reformas, apenas 34% confiam que a chamada Agenda 2010 reduzirá o desemprego e criará mais postos de trabalho. Do ceticismo comungam 58% dos filiados, segundo o Forsa. A maior resistência no partido (64%) está na redução para 18 meses do período em que trabalhadores acima de 55 anos têm direito a receber salário-desemprego. Quase o mesmo percentual (63%) é contra a privatização do auxílio-doença, o que o tornará facultativo. Por outro lado, 88% dos filiados reivindicam a reintrodução do imposto sobre o patrimônio, idéia há muito descartada pelo governo.

Esquerda quer novo rumo

Contrário à Agenda 2010, o deputado Florian Pronold sentiu-se respaldado pela pesquisa. "Ela mostra claramente o que pensa a base do partido", diz o jovem bávaro. Pronold acrescenta que não deseja "outro chanceler, mas outra política". Quem também aproveitou o jubileu para evidenciar suas divergências com o rumo do partido foi Oskar Lafontaine, ex-presidente do SPD e ex-ministro das Finanças de Schröder. Em artigo no jornal Handelsblatt, o esquerdista lembrou ser "natural que cada tempo exija novas respostas" e que "renovação e reforma" também fazem parte do vocabulário dos social-democratas.

Oskar Lafontaine
Oskar Lafontaine não concorda com as reformas de SchröderFoto: AP

"Na idade da globalização, entretanto, é inevitável que se ressuscite uma prática que caiu no esquecimento nos últimos anos: a cooperação internacional", escreveu Lafontaine, lamentando o esvaziamento da Internacional Socialista. Para o ex-governador do Sarre, cargo que exerceu por 13 anos, os partidos social-democráticos tinham de estar engajados no movimento organizado no Fórum Social Mundial, de Porto Alegre. "O programa dos críticos da globalização é convincente", ressalta o físico, que acrescenta: "Este é um contraponto social-democrata ao mundo da Wall Street".

Segundo Lafontaine, a falta de unidade e confiança entre os governantes social-democratas europeus os leva ao fracasso. "Eles fazem política neoliberal e se admiram com a rapidez com que os eleitores os substituem por originais", advertiu. "Só se o SPD souber de onde vem e fizer de novo da liberdade, justiça e solidariedade a base de sua política, ele poderá vencer os desafios do futuro", concluiu o ex-ministro, para o qual a Agenda 2010 não moderniza o Estado de bem-estar social alemão, mas o faz regredir ao século 19.