Cozinha e arte
27 de junho de 2007Se a transformação da forma é um dos temas da documenta de 2007, Ferran Adrià, o chefe que vem revolucionando a arte de cozinhar através da assim chamada "cozinha molecular", é uma das estrelas da mostra.
A cozinha de Adrià, no entanto, não está presente fisicamente em Kassel. O curador da documenta 12, Roger Buergel, concordou em transformar o restaurante de Adrià, o famoso El Bulli, na Cala Montjoi em Roses, na Catalunha, em uma das locações da documenta 12.
Justificando sua decisão de levar a documenta à Espanha, Buergel chamou a atenção da imprensa, por ocasião da abertura da exposição, para a "permeabilidade" da mostra por ele organizada e para o seu compromisso com o "local" e com o "global". Para saber mais sobre a relação entre a cozinha e a arte e sobre sua escolha como artista convidado da documenta 12, DW-WORLD conversou, em Kassel, com o renomado chefe catalão Ferran Adrià.
DW-WORLD: O que você preparou para expor na documenta?
Ferran Adrià: Passei um ano estudando o que é a documenta e qual é a relação entre a cozinha e a arte. Cheguei à conclusão de que o que deveríamos fazer era o que fazemos a cada dia. Roger me convidou pelo que tenho feito e não exatamente para expor algo. Faz 20 anos que cozinho somente no El Bulli e acredito que a única maneira de vivenciar a experiência que fazemos é no El Bulli.
Isto quer dizer que quem quiser experimentar o seu trabalho tem que ir ao seu restaurante?
Sim. A cozinha não é uma disciplina museável. Ela é uma disciplina artística que necessita de seu próprio cenário. E o seu cenário é o lugar onde a fazemos. Há pessoas que dirão que nada faço aqui em Kassel. Eu o faço, no entanto, no El Bulli.
Por isso que minha cozinha não está em um pavilhão de Kassel. Creio que ter o El Bulli na documenta é um fato histórico, pois pela primeira vez se descontextualiza um pavilhão, e é revolucionário, porque a cozinha é finalmente aceita como arte. Isto também abre uma porta para outras disciplinas que também gostariam de entrar no mundo da arte, mas que não podem pelo fato de não serem museáveis.
Então a cozinha não funciona no museu?
Como também não funciona a Filarmônica de Berlim. Uma das muitas características da cozinha, que a fazem única, é o fato de ser uma disciplina onde o espaço e o público são muito importantes. É uma atividade multissensorial, comunicativa, que não se pode fazer para mais de 30, 40 ou 50 pessoas. É uma atividade muito participativa, onde a pessoa que a recebe tem grande importância.
É preciso observar as características únicas da cozinha e uma delas é que não se pode fazer para muita gente, senão se trata de um catering. Eu tenho uma empresa de catering, mas sei que não se trata de uma experiência.
Como o El Bulli irá participar da documenta?
Durante os cem dias da documenta, haverá uma mesa reservada para duas pessoas – artistas, críticos de arte, aficionados da arte –que a mostra enviará, diariamente, ao El Bulli. Metade desta intervenção pertence a Roger Buergel, pois foi ele que decidiu aceitar isto, abrindo uma oportunidade também para outras disciplinas.
E os que não forem escolhidos têm que esperar três ou quatro anos por uma mesa?
A média de espera é de um ano, mas isto também faz parte da experiência. São as 50 pessoas que vão, diariamente, ao El Bulli e que fazem parte desta experiência que decidiram que a cozinha que fazemos é arte. No mundo da arte, a cozinha está representada pela necessidade de contextualização e ela só pode ser feita em seu próprio lugar.
Você se considera um artista?
Sou um cozinheiro que muitas pessoas acham que é um artista, pois foram ao meu restaurante e dizem que tiveram uma experiência artística.
A cozinha que a mamãe faz também pode ser arte?
Cada um decidirá, afinal, através de sua experiência, se a cozinha é arte ou não. Como a pintura, a fotografia ou qualquer outra coisa. A fotografia é arte quando se decide que ela é arte. Nem toda fotografia é arte.
Da mesma forma, acontece com a cozinha, onde há momentos em que alguns decidirão que ela é arte e outros, que não, como em qualquer outra disciplina.
Na conferência de imprensa, Roger Buergel, curador da documenta deste ano, informou que a decisão sobre quem vai ao restaurante de Adrià compete à direção da exposição. Por isso, avisou: quem se candidatar ou lhe pedir para ir ao El Bulli, ficará sem jantar. Juan Davila, artista chileno com várias obras expostas na documenta 12, foi o primeiro a ser escolhido para comer na Cala Montjoi.