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Faroestes europeus

23 de novembro de 2011

Na Europa, o faroeste é um gênero tão antigo quanto o arquétipo americano. Além de ser foco de seis festivais de cinema este ano, ele também foi tema do Congresso sobre a História do Cinema, realizado em Hamburgo.

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'Il grande silenzio' (1968): faroestes italianos fizeram história
'Il grande silenzio' (1968): faroestes italianos marcaram época e fizeram históriaFoto: Deutsche Kinemathek - Museum für Film und Fernsehen

Neste ano, pelo menos seis festivais europeus abordaram o tema dos faroestes produzidos no Velho Continente. Esse também foi o foco do Cinefest 2011, oitavo festival internacional sobre o legado cinematográfico alemão, que se encerrou no último fim de semana em Hamburgo, sob o lema Pradarias e desfiladeiros da Europa: o faroeste entre a Sibéria e o Atlântico.

Acompanhando o festival, o 24° Congresso Internacional sobre a História do Cinema trouxe a Hamburgo uma série de palestras sobre a apropriação do gênero pela propaganda stalinista, nazista e da Guerra Fria, como também o desenvolvimento do faroeste no resto da Europa.

Nos Estados Unidos, o surgimento do cinema e do próprio gênero faroeste acompanhou o fim da era do "velho oeste". O mito dos caubóis, bandidos, índios e mocinhos, no entanto, continuou vivo nas telas, tornando-se rapidamente o gênero de cinema mais popular entre os norte-americanos.

Na Europa, o faroeste é um gênero tão antigo quanto o próprio arquétipo norte-americano. Diante do enorme sucesso, os diretores europeus logo se inspiraram em seus colegas norte-americanos através de cópias e novas interpretações.

Como explicam os organizadores do Cinefest 2011, "dos Montes Urais até o Atlântico, da Finlândia à Sicília, os conhecidos protagonistas lutavam e atiravam a partir de então também no Velho Mundo".

Po zakonu ('Pela lei', União Soviética, 1926) é considerado um dos grandes filmes soviéticos
'Po zakonu' ('Pela lei', União Soviética, 1926) é considerado um dos grandes filmes soviéticosFoto: Bundesarchiv - Filmarchiv

Faroestes comunistas

Se, por um lado, a interpretação ideológica da história e a popularização de mitos nacionais foram um domínio dos faroestes norte-americanos, precisamente o cinema do adversário dos EUA na política global, a União Soviética, apropriou-se do gênero para os seus interesses.

Conhecidos como red western, os faroestes realizados na União Soviética e em países da antiga Cortina de Ferro vivenciam agora um verdadeiro renascimento. Embora Stalin fosse um grande fã de faroestes, a dura censura soviética impedia os camaradas de acompanhar os sucessos do cinema. A solução foi filmar os próprios faroestes.

Surgiram produções como Po Zakonu ("Pela lei", de 1926), Trinadtsat ("Os treze", de 1936) e Beloe solntse pustyni ("O sol branco do deserto", de 1969). Apesar da instrumentalização ideológica, hoje, os faroestes soviéticos são considerados um dos gêneros mais criativos do cinema da antiga União Soviética.

Nestes filmes, além da crítica ao Ocidente e ao capitalismo através da inversão de papéis (índios bons, brancos maus), os soviéticos também usaram o gênero para a propaganda patriótica durante a guerra civil empreendida na Ásia Central nos anos 1920 e 1930 contra os rebeldes islâmicos de origem turca, que assumiram o papel normalmente reservado aos índios.

'O imperador da Califórnia' (Alemanha, 1936): propaganda ideológica
'O imperador da Califórnia' (Alemanha, 1936): propaganda ideológicaFoto: Filmmuseum Berlin - Deutsche Kinemathek

Nazismo e Guerra Fria

Antes da Segunda Guerra, filmes como Der Kaiser von Kalifornien ("O imperador da Califórnia", Alemanha, 1936) e Gold in New Frisco (Alemanha, 1939) comprovam a instrumentalização do gênero também pela propaganda ideológica de Hitler.

Seguindo a orientação da arte na Alemanha nazista, tais filmes davam ênfase à origem germânica dos protagonistas, que tentavam sua sorte no oeste selvagem norte-americano.

A partir dos anos 1960, inspirados pelo sucesso dos faroestes soviéticos e pelas filmagens dos romances do escritor alemão Karl May e de seu herói indígena Winnetou na então Alemanha Ocidental, o faroeste alcançou um verdadeiro boom também na Alemanha Oriental.

Segundo testemunhas da época, os filmes eram aguardados com ansiedade e lançados simultaneamente ao início do ano letivo nas escolas – e ninguém acreditava que faroeste fosse um gênero de origem estrangeira. Considerado o John Wayne da Alemanha Oriental, o ator Gojko Mitic ganhou fama incorporando a figura do índio-herói em filmes como Die Söhne der Grossen Bärin ("Os filhos da grande ursa", de 1966).

A Guerra Fria nunca ficou tão clara como neste gênero de cinema nas duas Alemanhas. Enquanto o nobre cacique apache Winnetou incorporava o espírito da compreensão entre os povos, o índio bom interpretado por Mitic lutava contra as injustiças praticadas pelo homem branco, numa mensagem claramente anti-imperialista.

Espírito do tempo

Além do Cinefest em Hamburgo, neste ano os festivais de cinemas de Roterdã (Holanda), Linz (Áustria), Gotemburgo (Suécia), Wroclaw (Polônia) e Brastilava (Eslovênia) também enfocaram os faroestes europeus, principalmente os do bloco comunista.

Gojko Mitic encantou público alemão oriental
Gojko Mitic encantou público alemão orientalFoto: picture alliance

Erika Wottrich, do festival de Hamburgo, disse à DW Brasil que isso foi mera coincidência, pois o tema já estava planejado há quatro anos pelo Cinefest. "Com o tema dos faroestes europeus, nós passamos a fazer de uma onda que segue o espírito do tempo."

No Congresso Internacional sobre a História do Cinema que acompanhou o Cinefest em Hamburgo, um dos temas centrais foram os faroestes italianos, também conhecido por faroeste espaguete ou bangue-bangue à italiana.

Segundo o festival, através de suas trilhas sonoras inovadoras, da marcante linguagem visual e da visão de mundo profundamente desencantada de seus protagonistas, os faroestes italianos também exerceram influência sobre as produções norte-americanas.

Um exemplo é a assim chamada Trilogia dos Dólares do diretor italiano Sergio Leone – Por um punhado de dólares (1964), Por uns dólares a mais (1965) e Três homens em conflito (1966) –, que influenciou o gênero de forma decisiva com seu realismo e primeiros planos. A partir do sucesso comercial dos filmes de Leone, surgiram na Itália uma série de produções e diretores. O sucesso também levou Leone aos Estados Unidos, onde em 1968 ele viria a filmar um de seus maiores sucessos: Era uma vez no oeste.

Autor: Carlos Albuquerque
Revisão: Alexandre Schossler