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Estado de DireitoAlemanha

Extremismo de direita ameaça democracia alemã, diz ministra

19 de junho de 2024

Relatório do Ministério do Interior da Alemanha cita ainda riscos à segurança nacional derivados de movimentos golpistas e de extremismos islâmicos e de esquerda. Rússia, China e Irã também preocupam.

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Uma mulher e um homem, europeus de meia idade, sentados a uma mesa
A ministra alemã do interior, Nancy Faeser, ao lado do presidente do Departamento Federal de Proteção da Constituição, Thomas Haldenwang, durante evento de apresentação do relatórioFoto: Kay Nietfeld/dpa/picture alliance

A democracia alemã está sob pressão de uma extrema direita cada vez mais violenta, radicais islâmicos e atos de espionagem e interferência russa e chinesa, afirmou a ministra do Interior Nancy Faeser ao apresentar um relatório do Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV) nesta terça-feira (18/06).

Segundo Faeser, a situação geral de segurança no país "é e continua tensa", quadro que se agravou particularmente diante das guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.

O número de crimes atribuídos a alguma ideologia extremista atingiu patamares recordes em 2023, saltando de 4 mil no ano anterior para mais de 39 mil.

Crimes ligados à ultradireita aumentaram 22,4% (25.660); considerando apenas as ocorrências violentas, o aumento foi de 13%, totalizando 1.148 atos. No caso de crimes cometidos por radicais de esquerda, o aumento geral foi de 10,4% (4.248) e o de crimes violentos, de 20,8% (727).

Crimes motivados por ideologia estrangeira tiveram um salto de 56,6% (3.092) no índice geral, e de 45,6% (329) para os crimes violentos. Já os motivados por ideologia religiosa aumentaram quase 200% (1.250), dos quais 72 eram crimes violentos, 67,4% a mais que em 2022.

"Temos que enfrentar ameaças domésticas que advêm do extremismo com a mesma determinação que as ameaças externas, principalmente as do regime russo", defendeu a ministra.

Hoje, o BfV só é autorizado a investigar indivíduos que incitem ao ódio ou partam para a violência, mas não as redes financeiras que dão sustentação a esses grupos.

Ameaças à direita

De acordo com os números do relatório, o extremismo de direita continua a ser a maior ameaça à Alemanha. Autoridades do serviço de inteligência estimam em 40,6 mil o número de indivíduos perigosos nessa categoria – cerca de 1,8 mil a mais que em 2022 –, dos quais 14,5 mil são considerados violentos.

Extremistas de direita têm instrumentalizado a seu favor crises como a deflagrada pelo ataque terrorista do Hamas contra Israel em 7 de outubro, fazendo desses eventos uma oportunidade para culpar a imigração por todos os problemas sociais da Alemanha e levar o tema ao topo da agenda do debate público.

Presidente do BfV, Thomas Haldenwang atribui o crescimento do que chamou de "nova direita" – termo que designa uma rede informal de nacionalistas e extremistas – ao uso de "mídias alternativas" e redes sociais que espalham propaganda racista e revisionista.

A categoria "extremismo de direita" não considera o partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) como um todo, e sim alas radicalizadas dentro da legenda, que ainda é oficialmente considerada um "caso suspeito". A classificação tem relevância porque, na Alemanha, é ela que determina se um partido ou organização poderá ser vigiado pelo BfV.

A AfD, porém, vem sendo apontada por especialistas como uma das faces visíveis da radicalização política na sociedade alemã. O partido tem se tornado cada vez mais popular, especialmente na antiga Alemanha comunista – na eleição ao Parlamento Europeu, foi promovido a segunda maior força, atrás somente dos conservadores da aliança entre a União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU).

Apoiadores da AfD erguem faixas apoiando gasoduto russo e deportação de estrangeiros
Apoiadores da AfD erguem faixas apoiando gasoduto russo e deportação de estrangeiros Foto: Sachelle Babbar/ZUMA Wire/IMAGO

"Dentro da AfD também foi constatado no ano de 2023 conexões bem estabelecidas de diversos funcionários e políticos eleitos com atores e organizações bem estabelecidas da nova direita", consta do relatório. "Não se tratam de conexões ao acaso, mas sim de conexões estruturais dentro de uma rede que age estrategicamente."

A Alemanha também tem monitorado grupos golpistas, que reúnem cerca de 25 mil adeptos, dos quais cerca de 5% são considerados de extrema direita – algumas dessas lideranças estão sendo atualmente processadas sob a acusação de integrarem uma rede terrorista que tramava um golpe de Estado.

Ameaças à esquerda

No campo do extremismo de esquerda, o BfV expressa preocupação com "um potencial reconhecível, ainda não esgotado, para uma maior radicalização de indivíduos violentos, redes e formas de ação".

O serviço de inteligência calcula que o grupo reúna 37 mil extremistas, dos quais 11,2 mil são considerados violentos. Um dos apontados pelo BfV como suspeitos de extremismo é o grupo de ativistas do clima "Ende Gelände" (expressão que significa algo como "já basta"), que tem organizado ocupações e ações de sabotagem, principalmente contra a exploração de carvão.

Além de atos de violência, especialmente contra policiais, extremistas de esquerda também têm atacado cada vez mais infraestruturas críticas, como instalações de telecomunicações, dutos de combustível e equipamentos ferroviários, causando danos materiais milionários.

Grupo vestido com trajes brancos bloqueia trilhos enquanto segura uma faixa que diz que não existem cadeias de suprimento de carvão limpas
Ação do grupo de ativistas climáticos "Ende Gelände" bloqueia trilhos em usina de carvãoFoto: David Young/dpa/picture alliance

Islamismo

Também radicais islâmicos estão no radar das autoridades alemãs. Segundo Haldenwang, o risco de atentados extremistas islâmicos aumentou desde o ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro. O perigo não viria só de terroristas jihadistas, mas principalmente de lobos solitários e pequenos grupos, mais difíceis de monitorar já que agiriam sem muito planejamento.

O número estimado de radicais islâmicos se manteve no mesmo patamar, de 27,2 mil pessoas.

Uma placa em que se lê "califado é a solução"
"Califado é a solução": placa erguida em protesto islamistaFoto: Axel Heimken/dpa/picture alliance

Antissemitismo

Já o número de ataques antissemitas aumentou desde o início do conflito Israel-Hamas, que tem levado às ruas da Alemanha islamistas, extremistas palestinos e radicais estrangeiros à direita e à esquerda, além de setores da própria esquerda alemã. Apesar das ideologias distintas, esses grupos, segundo o BfV, têm em comum o antissemitismo e ódio a Israel, incitando atentados contra pessoas e instituições judias. Ainda de acordo com Haldenwang, a mesma tendência não foi observada em relação a crimes islamofóbicos.

O relatório afirma que tanto a extrema direita quanto a extrema esquerda e grupos islamistas têm explorado as tensões no Oriente Médio para atiçar o antissemitismo.

Só em outubro de 2023 o BfV contabilizou 1.342 crimes de motivação antissemita, principalmente danos patrimoniais, sendo 596 associados a ideologias estrangeiras, 406 vindos da extrema direita, 266 de motivação religiosa e 18 da extrema esquerda, além de 55 casos que não se encaixavam em nenhuma dessas definições. 

Rússia, China e Irã

Falando à imprensa, a ministra Faeser disse que países como Rússia, China e Irã "usam cada vez mais seus serviços de inteligência para espionar dentro da e contra a Alemanha". Além disso, esses países também estariam tentando influenciar eventos no país e espionar opositores vivendo em solo alemão.

ra (Reuters, dpa, AFP, ots)