Embaixador alemão no Brasil condena uso de símbolos nazistas
3 de novembro de 2022O embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, condenou nesta quinta-feira (03/11) o uso de símbolos que remetam ao nazismo e ao fascismo. Ele se referia à cena vista em Santa Catarina em que manifestantes bolsonaristas fizeram um gesto que lembra a saudação nazista.
"O uso de símbolos nazistas e fascistas por 'manifestantes' claramente de extrema direita é profundamente chocante. Apologia ao nazismo é crime!", escreveu Thoms no Twitter.
"Não se trata de liberdade de expressão, mas de um ataque à democracia e ao Estado de direito no Brasil. Esse gesto desrespeita a memória das vítimas do nazismo e os horrores causados por ele", completou o embaixador alemão.
A saudação nazista, usada por apoiadores de Adolf Hitler nos anos 1930 e 1940, consiste num cumprimento com o braço direito estendido com a palma da mão voltada para baixo, acompanhado das palavras "Heil Hitler" ("salve Hitler") ou "Sieg Heil" ("salve a vitória"). O gesto é proibido na Alemanha e passível de multa ou até cinco anos de prisão.
Na quarta-feira, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que participavam de um bloqueio ilegal na rodovia SC-163, em São Miguel do Oeste (SC), foram filmados cantando o hino nacional e fazendo o gesto que lembra a emblemática saudação hitlerista.
O caso, que ocorreu em frente ao 14º Regimento de Cavalaria Mecanizado, base do Exército na cidade, é investigado pelo Ministério Público de Santa Catarina.
Entidades condenam
Entidades foram rápidas em condenar o ato em Santa Catarina, que faz parte de uma série de manifestações de cunho golpista realizadas por apoiadores de Bolsonaro em estradas do país. O objetivo dos bloqueios é contestar o resultado das eleições, que deram vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A Embaixada de Israel disse rejeitar "qualquer forma de referências nazistas no Brasil e em geral". "Estamos preocupados com esse fenômeno aqui e contamos com as autoridades competentes para que tomem as providências necessárias para acabar com esse tipo de atos ultrajantes", afirma em comunicado.
O Museu do Holocausto no Brasil também condenou o acontecido. "Estética e contexto (social e histórico) deveriam ser suficientes para que não precisássemos nos deparar com cenas ofensivas como estas. A tentativa de associar esse gesto ao juramento à bandeira é mais um ultraje [sobre] que a Justiça e a educação antifascista precisarão se debruçar", disse a instituição.
Já a Confederação Israelita do Brasil (Conib), principal representante da comunidade judaica brasileira, disse no Twitter repudiar os gestos, que descreveu como "repugnantes": "As imagens [...] precisam ser investigadas e condenadas com veemência pelas autoridades e pela sociedade como um todo. O nazismo prega e pratica a morte e a destruição."
"A sociedade brasileira não pode tolerar posturas como essa. Fazer esse gesto vestindo camisa da seleção brasileira é também uma ofensa às nossas Forças Armadas, que lutaram bravamente contra as forças nazistas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial."
Por sua vez, o Instituto Brasil-Israel declarou: "O uso da saudação nazista é uma das consequências da normalização de símbolos fascistas e nazistas ao longo dos últimos anos. Nada é por acaso. Assusta, mas não surpreende."
Investigações em andamento
O ato está sendo investigado pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). O Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) de São Miguel do Oeste, que faz parte do MPSC, informou que uma apuração para identificar quem fez a saudação nazista está em andamento.
No entanto, a corporação antecipou que, segundo uma investigação preliminar, os manifestantes na cidade catarinense não tiveram intenção de apologia ao nazismo. Segundo o Gaeco, não há evidências de prática de crime, "embora a atitude seja absolutamente incompatível com o respeito exigido durante a execução do hino nacional". Mas as investigações continuam.
O caso também está sendo acompanhado pelo Núcleo de Enfrentamento a Crimes Raciais e de Intolerância (Necrin).
Presença do nazismo em Santa Catarina
Alusões ao nazismo não são novidade em Santa Catarina – nem em São Miguel do Oeste. Em 20 de outubro, a Polícia Civil do estado prendeu seis suspeitos de integrarem um grupo neonazista na cidade e em outros municípios catarinenses, incluindo Florianópolis.
As prisões ocorreram no âmbito da operação Gun Project, que também apreendeu livros, símbolos e bandeiras que faziam apologia ao nazismo. Segundo a Polícia, o grupo, que se intitulava como "Nova SS de SC", treinava como usar armas de fogo e chegou a conversar sobre perpetrar ataques contra moradores de rua.
Dias depois, suásticas e frases de cunho antissemita e misógino foram encontradas nos banheiros da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Outra personalidade controversa do estado é o professor de história Altair Reinehr, pai da deputada federal e atual vice-governadora catarinense Daniela Reinehr (PL). Ele é conhecido por defender ideias neonazistas e por negar o genocídio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Suas ideias foram expostas em textos em que ele relativiza o nazismo e teriam sido propagandeadas até mesmo em sala de aula.
Junto a um desses artigos, Altair publicou uma foto dele em frente à casa onde nasceu Adolf Hitler, em Braunau am Inn, na Áustria. No texto, ele se queixa de que, na Alemanha, "é proibido falar bem de Hitler" e "lembrar obras reconhecidamente positivas".
"Nas escolas dos países europeus, não se ensina a conhecer o governo de Hitler, nem o que era o nacional-socialismo, mas ensina-se a odiar ambos. E tudo isso em nome da democracia, da verdade e da 'liberdade de expressão'", reclama o professor.
No mesmo texto, Reinehr exalta supostas realizações positivas do ditador nazista e reclama por a "história oficial" considerá-lo o causador da Segunda Guerra, "o que cada vez mais está sendo questionado por historiadores de renome de diferentes países".
Altair também testemunhou a favor de Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010), proprietário da editora Revisão, notória por publicar livros negacionistas do Holocausto e literatura antissemita. Castan foi condenado por racismo pelo Supremo Tribunal Federal em 2000.
ek/av (DW, ots)