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3 de abril de 2007Investir em qualidade cultural pode ser lucrativo. Esse parece ser o principal ensinamento que se obtém de um fato que já está se tornando rotina no mercado literário e fonográfico na Alemanha.
Pelo terceiro ano consecutivo, a vanguardista editora e livraria Zweitausendeins ("2001" em português), de Frankfurt, conquistou o primeiro lugar no pódium do Buchmarkt, órgão oficial dos livreiros alemães, como o distribuidor mais barato do país na internet. Isso não seria nada impressionante não fosse a firma um dos ícones máximos do ideário dos rebeldes anos 60 do século passado.
"Para nós, que somos uma firma da geração 68, ter um comportamento exemplar não é lá o que se esperava. Mas queiramos ou não, permanecemos como referência", sentenciou Till Tolkemitt no editorial do atual catálogo de produtos da Zweitausendeins.
Aliás, chamar o celebrado Merkheft dessa forma soaria como xingamento para muitos clientes da editora e livraria fundada em 1969 por Lutz Kroth (ex-Reinecke) e Walter Treumann, dois cidadãos de Frankfurt, metrópole em que ocorreram no final da década de 60 acirrados embates entre os contestadores do sistema capitalista – dentre eles Joschka Fischer (que viria a se tornar em 1998 ministro das Relações Exteriores) e Daniel Cohn-Bendit – e as forças de Estado.
"O Merkheft é por si só uma ótima publicação para a gente que preza pela literatura, que não vive sem boa música, se interessa por política, ecologia e que não quer pagar caro por ser assim", afirma Günther Gutmann, freqüentador assíduo da loja em Frankfurt.
Gutmann é um dos fiéis clientes da editora e livraria que sabe ser cada vez mais difícil encontrar uma obra do escritor Henry David Thoreau ou um CD de Joni Mitchell nos estabelecimentos comerciais mais tradicionais.
Segundo estimativa dos donos da Zweitausendeins, cerca de um milhão de fregueses têm o hábito de fazer suas compras de livros, CDs, discos de vinil, DVDs e programas de computador nas 13 lojas da rede situadas em Munique, Berlim, Hamburgo (duas filiais), Düsseldorf, Mannheim, Colônia, Stuttgart, Freiburg, Nurembergue, Leipzig e Hannover. E as vendas na internet só crescem.
Ousadia e competência
Tudo indica que a Zweitausendeins conseguirá ampliar o volume de seus negócios (que atinge hoje a casa dos 40 milhões de euros anuais), já que parte da firma foi adquirida em setembro último pelos não menos bem-sucedidos irmãos Michael e Rainer Kölmel, do grupo Kinowelt, de Leipzig, detentor da prestigiada marca cinematográfica Arthouse, responsável dentre outros pelo lançamento de diversos títulos do cineasta Rainer Maria Fassbinder em DVD.
"A Zweitausendeins tem 45% de seu faturamento em venda de livros, 40% em CDs e apenas 15% em DVDs", afirmou Michael Kölmel à imprensa, deixando transparecer que a oferta de DVDs vai ser incrementada com o substancial catálogo de filmes da Kinowelt.
Os novos sócios da Zweitausendeins planejam para breve a abertura de mais dez filiais da firma em toda a Alemanha, principalmente em cidades universitárias, apostando na boa imagem que a firma tem junto aos clientes mais exigentes.
A comercialização de DVDs, que cresce no mundo inteiro, deve servir como base para que a Zweitausendeins continue com seu programa de edições de livros críticos, garantindo os preços bem acessíveis que são a marca da empresa.
Cosmopolitismo intelectual
Criteriosa com o tipo de produtos que oferece, a Zweitausendeins desempenha para muitos uma espécie de papel político, sabendo se impor num mercado normalmente regido pela filosofia do lucro fácil e imediato, onde a qualidade da informação fica relegada a segundo plano.
Entre suas publicações mais marcantes estão o livro Bob Dylan – Songtexte 1962–1985, que reúne as letras originais e suas respectivas traduções para o alemão das músicas do músico norte-americano e que já ultrapassou a 40ª edição, bem como Das Nationalsozialistische Lagersystem (O Sistema de Campos de Concentração do Nacional-Socialismo), uma opulenta e audaciosa documentação de 1329 páginas sobre as 2500 firmas alemãs de grande e pequeno porte que se utilizaram da mão-de-obra escrava dos prisioneiros dos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Um material que permaneceu 50 anos sem ser revelado à opinião pública, e que a Zweitausendeins pôs nas prateleiras por 17,90 euros o exemplar.
A música do Brasil também pode ser encontrada nas lojas da Zweitausendeins. Um dos CDs brasileiros de maior destaque no momento é o novo de Caetano Veloso, intitulado Cê, que aparece no catálogo como "CD pop do mês de março".
Não faz muito tempo, a Zweitausendeins colocou em suas lojas a histórica série de discos da gravadora Elenco, que nos anos 60 lançou álbuns de artistas como Tom Jobim, Baden Powell, Roberto Menescal e Maysa, títulos que se tornaram legendas também pelas capas do artista gráfico Cesar Villela.