Drag queen austríaca canta no Parlamento Europeu
9 de outubro de 2014É raro uma multidão assim estar reunida em frente ao Parlamento Europeu. Cerca de 2 mil deputados, funcionários, estagiários, grupos de visitantes e passantes enfrentaram a chuva para poder assistir ao show da cantora travesti austríaca Conchita Wurst durante a pausa do almoço, nesta quarta-feira (08/10).
No entanto, antes dos gorjeios, a vencedora do Festival da Canção Eurovisão 2014, de 25 anos, queria promover a própria causa. "Não sou uma política, mas uma cantora", coqueteou, ao abrir seu discurso de 15 minutos. Ela atravessou a história europeia, da Primeira Guerra Mundial até o Eurovisão, até chegar à mensagem que queria transmitir. Pura e simplesmente, tolerância e respeito para todos que são diferentes, sussurrou a cantora ao microfone, alisando a peruca negra num gesto arrebatado.
Tolerância tem seu preço: 17 mil euros
"Vou dar tudo o que tenho para apoiar os que querem isso", anunciara anteriormente em coletiva de imprensa formal, no prédio do Parlamento. "Sexo, cor da pele ou origem não devem ter a menor importância." E, com sua voz poderosa, a Wurst (literalmente "Salsicha", nome artístico de Thomas Neuwirth), deu o melhor de si, cantando várias canções, inclusive a música vencedora do festival, Rise like a Phoenix. O público, que incluía vários ativistas da cena LGBT de Bruxelas, delirou.
O convite para o show partiu da vice-presidente do Parlamento, a verde Ulrike Lunacek, apoiada por representantes de três outras bancadas. "Temos diversas crises no mundo, e o Parlamento cuida também, naturalmente, de refugiados e de outros temas importantes. Mas acho que a mensagem de Conchita também é importante", afirmou a política, que também é austríaca e há 20 anos vive abertamente como lésbica. Ela enfatizou que na União Europeia ainda existem numerosos preconceitos contra minorias sexuais.
No total, o espetáculo – inclusive palco, técnica e produção – custou 17 mil euros, provenientes do orçamento da vice-presidente para relações públicas e de verbas da bancada. Conchita Wurst dispensou um cachê, viajando de Viena para Bruxelas na equipe em classe econômica, disse Lunacek.
"Salsicha" polêmica
Flanando pelo Parlamento de terninho branco, acompanhada de muitas câmeras, Conchita Wurst chamou mais atenção do que qualquer um dos candidatos a comissário europeu, que nos últimos dias tiveram de passar pela arguição dos parlamentares em Bruxelas. Logo os celulares saltaram dos bolsos para as primeiras fotos. "Olha ali a Wurst", murmuravam alguns visitantes.
Por sua vez, Beatrix von Storch, do partido conservador Alternativa para a Alemanha, não se mostrou nada entusiasmada com a visita. "Estamos falando do Senhor Wurst, um homem vestido de mulher, que canta. Para mim, isso está sendo sobrevalorizado em relação aos problemas que realmente nos confrontam", criticou a deputada.
Na UE, a igualdade de direitos para os homossexuais já é fato consumado, assegurou. "Nós toleramos todos os homossexuais, não temos mais problema nenhum. Falamos o tempo todo sobre homossexuais, falamos sobre bissexuais, falamos sobre transexuais, intersexuais, intrassexuais e assim por diante, nós discutimos muito sobre a nossa sexualidade e tenho a impressão de que, em nível europeu e nos Estados-membros, esse tema há muito está esgotado."
Órgão aberto à diferenças
De qualquer forma, Conchita ganhou a atenção de dezenas de cinegrafistas e fotógrafos na sala de imprensa. "Não me importo com críticas, ninguém é obrigado a me escutar", afirmou a artista. "A personagem Conchita é um pedaço da torta da minha vida. Ela não foi projetada numa prancheta", explicou Thomas Neuwirth, que desde os 14 anos se apresenta como drag queen barbada, e que venceu com destaque o concurso da canção europeia deste ano em Copenhague. Falando à DW, afirmou não pretender entrar na política.
"Como artista, é muito mais fácil para mim expressar a minha verdadeira opinião. Temos a liberdade dos palhaços", comentou Conchita. No entanto, daqui a 20 anos, talvez seja possível encontrá-la novamente no Parlamento, acrescentou. Aparentemente, no momento ela não pretende seguir os passos da cantora grega Nana Mouskouri, que foi deputada no Parlamento Europeu entre 1994 e 1999. Apesar de não ser uma drag queen, ela é até hoje um ídolo para muitos gays e lésbicas em todo o mundo.
Além de ter acomodado personalidades extravagantes como deputados, o Parlamento Europeu já recebeu muitos visitantes inusitados. Entre estes, o Dalai Lama, o grupo punk russo Pussy Riot e os músicos Bob Geldorf e Bono. Muitas cabeças coroadas e não coroadas já falaram no plenário. Em 25 de novembro próximo, será a vez do papa Francisco.