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De civis a soldados: como os voluntários defendem Kiev

Aleksander Sawizkij
26 de março de 2022

Com a invasão russa, centenas de milhares de ucranianos voluntariamente pegaram em armas. A DW conversou com um vendedor de móveis e um profissional da TI que, sem qualquer experiência prévia, se tornaram soldados.

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Ukraine-Krieg | ukrainische Armee
Um soldado ucraniano no front, perto de KievFoto: GENYA SAVILOV/AFP

Imediatamente após os primeiros ataques aéreos russos na Ucrânia, em 24 de fevereiro, vários ucranianos começaram a se apresentar às autoridades para o serviço militar. Em poucos dias, a mobilização militar foi concluída com aqueles que estavam em primeiro da fila.  Ao mesmo tempo, unidades de defesa territorial foram formadas nas cidades. Mesmo homens e mulheres que não tinham experiência em combate e treinamento militar básico pegaram em armas.

De vendedor de móveis a lançador de granadas

O combatente de 35 anos de uma brigada de defesa territorial de Kiev, que se autodenomina "Tornado", mudou-se de Lugansk para Kiev em 2014, antes mesmo do início dos combates na região de Donbass. Como empresário de sucesso, vendia móveis na capital ucraniana. Mas, em 24 de fevereiro de 2022, quando Kiev foi abalada pelos primeiros ataques aéreos das tropas russas, ele se ofereceu para a defesa territorial.

"Estou com raiva porque alguns alienígenas querem me escravizar. Não sou escravo, sou um homem livre! Não tive escolha a não ser estocar comida para minha esposa, filho e animais de estimação, colocar uma metralhadora na mão e esmagar os intrusos", diz o homem.

Pessoas com experiência em combate lhe ensinaram a atirar à medida que o conflito se estendia. "Foi caótico no começo, tínhamos que ficar do lado de fora dia e noite, dormindo no concreto. Homens com experiência de combate dividiam comida enlatada com inexperientes como eu. Eles nos ensinaram a atirar, cavar trincheiras e organizar defesas", conta Tornado. 

Por causa do frio constante, a pele do rosto e do corpo começou a descascar. Principalmente as mãos racharam e ainda não cicatrizaram. A falta de instalações para poder se lavar também é um problema.

Sete homens da unidade não aguentaram e deixaram a defesa territorial. Mas Tornado ficou. Ele atualmente guarda uma "instalação estratégica" onde pode dormir em um quarto aquecido. Ele recebe comida de outros soldados e voluntários. 

"As Forças Armadas da Ucrânia nos deram apenas sacos de dormir e roupas de baixo térmicas. Tudo é de excelente qualidade. Mas só no dia 3 de março pudemos nos vestir totalmente com uniformes militares, antes estávamos em roupas civis. Agora também temos um médico, muitos remédios, estoque de meias e outras coisas. Mas ainda faltam óculos táticos, luvas, coletes à prova de balas e capacetes", diz Tornado.

Selfie feita por Tornado. Ele usa uniforme militar, capacete, óculos de sol e colete. Parece estar em uma trincheira.
"Tornado" é um dos soldados voluntáriosFoto: Privat

Construção de barricadas e defesa territorial

Antes do início da guerra, Oleksandr Kolot, de 40 anos, trabalhava para uma empresa de TI. Na manhã de 24 de fevereiro, foi acordado por explosões e, no mesmo dia, se dirigiu ao serviço de armas para se apresentar. Mas não conseguiu. Lá, ouviu dos homens reunidos que as tropas russas invadiriam o distrito de Obolon, no norte de Kiev, e que as autoridades estariam entregando armas aos moradores da capital bem na rua. Mas elas não eram suficientes – e Kolot ficou sem.  

No entanto, quando viu homens em trajes civis construindo uma barricada, se juntou a eles. Primeiro, cavou trincheiras a noite toda, depois, tornou-se parte da defesa territorial.

"No início estávamos por conta própria, depois vieram homens que já haviam assinado contrato com a defesa territorial. O resto de nós conseguiu assinar um contrato duas semanas depois, quando conseguimos um comandante ligado às forças armadas", diz Oleksandr. 

Segundo ele, os voluntários da defesa territorial, ao contrário dos soldados das Forças Armadas da Ucrânia, não recebem remuneração e podem rescindir o contrato a qualquer momento.

"No começo foi difícil se acostumar com o fato de que você só pode dormir quando tem oportunidade e não quando quer. Mas já me acostumei", disse Oleksandr. 

Agora, ele usa um uniforme das Forças Armadas da Ucrânia, mas comprou o colete à prova de balas com o próprio dinheiro. Os civis que permanecem em Kiev, levam chá e café para os homens da defesa territorial. Voluntários montaram uma cozinha de campo e também fornecem comida para os soldados.

"Na minha unidade, a maioria dos caras que têm experiência de combate e lutaram contra os russos vem do Donbass. Alguns vêm de Kherson, alguns de Odessa. Mesmo que algumas opiniões políticas sejam diferentes, você olha além delas agora. Estamos todos aqui como irmãos", enfatiza Oleksandr.

Ao fundo, pessoas fazem trabalho de limpeza após bombardeios em Kiev. Em primeiro plano, um carro destruído, com muitas marcas de balas.
Pessoas fazem trabalho de limpeza após bombardeios em KievFoto: Rodrigo Abd/AP/picture alliance

"Todo mundo está na linha de frente"

As posições mais perigosas em Kiev são as a noroeste, nos subúrbios de Bucha, Hostomel e Irpin, onde há intensos combates. "Todos estão na linha de frente: as forças armadas, a Guarda Nacional, guardas de fronteira, defesa territorial, polícia, Serviço de Segurança da Ucrânia, oficiais de inteligência e batalhões voluntários. Entre eles, estão jovens que só conheciam metralhadoras de suas aulas nas universidades. Eles querem estar com combatentes experientes na batalha", diz Yuriy Kulatschek, de 62 anos, major da reserva no serviço de fronteira. 

Antes da guerra, ele tinha uma empresa de mineração de granito. Por dois anos, defendeu a Ucrânia no Donbass e, até pouco tempo, estava na reserva. Mas, depois do dia 24 voltou à ativa. "Nós, soldados, somos empoderados por aqueles civis que saem às ruas desarmados para protestar contra os invasores em Kherson, Melitopol e Berdyansk. A coragem dos refugiados de Hostomel ocupada também nos impulsiona. E os civis seguem nosso exemplo, como estamos lutando contra os russos. É assim que damos um ao outro muita força e energia, é simplesmente indescritível", diz Kulatschek. 

Para ele, prova do grande espírito de luta é o fato de que todos que deixaram o serviço militar com ele em 2016 agora estão se voluntariando novamente no front, independentemente da idade.