Conflito na Síria gera "guerra de nervos" entre EUA e Rússia
7 de junho de 2013O diretor do Centro Carnegie em Moscou, Dmitri Trenin, admite ter suas dúvidas com relação à conferência internacional de paz que discutirá o conflito na Síria. "Norte-americanos e russos precisam trazer representantes sírios para se sentarem à mesa de negociação e forçá-los a um consenso", defendeu Trenin em entrevista à Deutsche Welle.
No entanto, diz ele, para que isso aconteça, seria fundamental uma aliança diplomática entre Estados Unidos e Rússia em torno da questão síria. "No momento, porém, as chances de isso acontecer não são grandes", admite o especialista russo. Trenin gostaria que Genebra se tornasse uma "nova Dayton": foi nas proximidades da cidade norte-americana que em 1995 se chegou ao acordo que pôs fim ao conflito na Bósnia e Herzegovina.
A primeira aproximação entre Rússia e Estados Unidos desde o início da guerra na Síria, há quase dois anos e meio, começou no início de maio. Com a ideia de realizar uma conferência internacional para debater a questão síria, o ministro russo do Exterior, Sergey Lavrov, e seu colega norte-americano, John Kerry, conseguiram causar um frenesi global. Para Trenin, isso mostra que os governos em Washington e Moscou têm a clara intenção de buscar uma solução política para o conflito – e evitar, assim, uma escalada militar na região.
Diferenças básicas
Mas já na fase preparatória a realização da conferência se mostra difícil. O encontro deveria ter sido realizado em maio, mas já foi adiado e não deve acontecer antes de julho – segundo declaração de Gennadi Gatilov, do ministério russo do Exterior, após conversa com representantes dos EUA e das Nações Unidas na última quarta-feira (05/06). A Rússia acredita ter cumprido seu papel ao convencer o governo sírio a participar do encontro em Genebra. No entanto, ainda são se sabe se membros da oposição vão comparecer.
Apesar de terem orquestrado a iniciativa do encontro em conjunto, as antigas diferenças entre Rússia e Estados Unidos permanecem. Lavrov acusa os EUA de terem cometido uma "grave distorção" na apresentação do que foi acordado. Segundo ele, são falsos os recentes comentários do Departamento de Estado norte-americano de que um dos objetivos da conferência internacional seria o fim do atual regime na Síria.
Para Moscou, o objetivo do encontro em Genebra é redesenhar um governo sírio que tenha apoio tanto dos atuais detentores do poder quanto da oposição. Outro ponto polêmico é a eventual participação do Irã na conferência, pleito iraniano apoiado pelos russos.
Principalmente as diferenças em questões básicas continuam inalteradas. Os Estados Unidos negam toda e qualquer legitimidade ao presidente sírio, Bashar al-Assad, para se manter no poder. Washington defende uma troca no comando em Damasco. Já os russos vêm apoiando firmemente o presidente sírio. Com seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, a Rússia vem continuamente evitando resoluções que, a seu ver, poderiam resultar numa intervenção militar na Síria.
Repasse de armas
Essa posição da Rússia foi mais uma vez reforçada pelo presidente Vladmir Putin durante a cúpula da União Europeia, realizada na última terça-feira, na cidade de Ecaterimburgo. "Todas as tentativas de alterar a situação por meio de uma intervenção militar são condenadas ao fracasso", disse Putin. O chefe do Kremlin alertou para as "severas consequências humanitárias" em que tal intervenção poderia resultar.
A declaração do presidente russo faz referência a países europeus, como França e Reino Unido, que não descartaram a possibilidade de fornecer armas a rebeldes sírios. O repasse poderá ocorrer a partir do dia 1º de agosto, pois a UE não conseguiu consenso para prolongar o embargo de armas na região do conflito.
"Acredito que o lado russo está irritado e decepcionado com a recente decisão da UE de liberar o repasse de armas", avalia Hans-Henning Schröder, do Instituto de Relações Internacionais e de Segurança (SWP), de Berlim.
Mas a própria Rússia anuncia novas remessas de armas à Síria. Damasco poderia receberia mais de dez caças russos, segundo informações vindas de Moscou. Anteriormente, a planejada entrega de mísseis antiaéreos do tipo S-300 à Síria ganhou manchete nos jornais. Em Ecaterimburgo, Putin garantiu que os contratos são legais, mas ainda não foram executados.
E as coisas não ficam apenas no discurso. Desde o dia 1º de junho, a Marinha russa reforçou sua presença no Mar Mediterrâneo. Um conjunto de 16 navios de guerra deve visitar o porto de Tartus, na Síria, onde a Russa já mantém uma base da Marinha.
"Guerra de nervos"
Trenin fala em uma "guerra de nervos". "A Rússia tenta acalmar os ânimos no Ocidente, enquanto a UE mantém a pressão sobre Assad." O resultado é incerto, afirma o especialista. Ele aponta outras forças que buscam uma saída militar para o conflito – além do presidente Assad, também o Catar e a Arábia Saudita.
Nos últimos dias, as tropas aliadas a Assad têm comemorado importantes vitórias contra a oposição. Uma delas é a ocupação da importante cidade de Al Kusair, próxima da fronteira com o Líbano. A conquista fortalece não apenas Assad, mas também a Rússia, pouco antes da conferência internacional, avalia Schröder. "A posição russa de negociação sai fortalecida, pois, no momento, Assad parece ser militarmente superior."