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Como a guerra afetou o Brasil – e mudou seu papel no mundo

24 de fevereiro de 2023

Um ano após o início da guerra entre Ucrânia e Rússia, como o Brasil foi afetado? Aumento de preços, inflação e as dificuldades energéticas em todos os países estão entre os estragos causados pelo conflito. Além disso, o Brasil, com sua neutralidade, mudou o seu papel no mundo.

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Um ano da guerra da Ucrânia e o conflito às vezes parece até meio normalizado. Já não atrai a atenção de antes e para muitos soa como algo distante do Brasil. Mas quando a Rússia invadiu a Ucrânia, ela não só levou a guerra de volta ao solo europeu depois décadas de paz, mas ela implodiu a ordem mundial vigente. E isso teve impacto em países aparentemente sem relação direta com a guerra, como o Brasil.

O vídeo explica como a guerra afetou as perspectivas econômicas, chegou no dia a dia dos brasileiros e está até colocando em xeque o papel histórico do Brasil no mundo.

No dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu oficialmente a Ucrânia. E você deve lembrar a primeira relação do Brasil com isso. Dias antes, no auge da tensão, com uma movimentação intensa das tropas russas bem na fronteira ucraniana, o então presidente Jair Bolsonaro fez uma visita a Putin e disse: "Somos solidários à Rússia".

Dali para frente, o país teria que se equilibrar entre o Ocidente e a Rússia. Numa espécie de teste da neutralidade histórica da diplomacia brasileira. Um teste, do qual o governo Lula também não está livre. Mas sobre isso eu vou falar mais para frente.

Vamos começar do início. Os primeiros efeitos que surgiram para o Brasil, logo depois da invasão russa, foram econômicos.

A guerra e as sanções impostas pelo Ocidente a Rússia geraram uma alta de preços dos combustíveis e da energia. A Rússia é o maior exportador mundial de gás natural e o segundo maior exportador de petróleo. De cara, o barril de petróleo passou de 100 dólares e chegou a um pico de 130 dólares. Isso, claro, teve um efeito em cadeia e pressionou a inflação em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Com essa alta ao longo de 2022, as empresas petrolíferas tiveram lucros gigantes, incluindo a Petrobras, que quase dobrou os ganhos dela: um lucro de 145 bilhões de reais nos três primeiros trimestres do ano passado.

Além disso, a região da guerra tem muitas plantações de milho e trigo. O amarelo da bandeira da Ucrânia é uma referência aos enormes campos de trigo do país. E a guerra teve um impacto direto no preço das commodities. Nesse caso, isso foi uma boa notícia para o agronegócio brasileiro. O Brasil foi o maior exportador de milho do mundo em 2022 e a safra de trigo também foi recorde.

Mas a guerra trouxe ao mesmo tempo um desafio para o agronegócio. O preço dos fertilizantes também cresceu. A Rússia é um dos grandes fornecedores do mundo no setor. Isso fez com que a safra de 2022 e 2023 fosse a mais cara da história do país. Quem disse isso foi a Confederação Nacional da Agricultura. Mas no fim das contas, o balanço foi positivo. O saldo do setor agropecuário no Brasil explodiu: subiu de 46,5 bilhões para 65,8 bilhões de dólares. Isso aconteceu pelo aumento da produção e, principalmente, pelo aumento dos preços.

Essa outra consequência você deve ter visto no supermercado. E esse é o eterno dilema do Brasil. Aumenta o preço dos grãos e o país como um todo exporta mais. Mas a população sofre com a inflação. O preço dos alimentos aumentou assustadoramente e pesou no bolso do brasileiro, principalmente dos mais pobres. A inflação foi de 5,79%, mas o preço dos alimentos e bebidas subiu 11,64%.

E é aí que entra uma outra consequência: juros altos. Com essa pressão inflacionária, criada entre outras coisas pela guerra, os bancos centrais do mundo todo aumentaram a taxa básica de juros da economia. No Brasil, ela está agora em 13,75%. Juros altos, na prática, significa um freio na economia, ou seja, menos crescimento.

Uma outra medida que ajudou a segurar os preços foi a isenção de tributos que incidem sobre combustíveis e na energia. Isso começou no governo Bolsonaro e foi mantido no governo atual do Lula e ajudou o preço da gasolina, do diesel e da eletricidade a ficar sob controle.

Mas a guerra significou também mudanças e oportunidades no setor de energia. A revista The Economist diz que a tão falada transição energética pode ter avançado o equivalente a dez anos só em 2022.

Isso porque, como a gente falou, a Rússia está entre as maiores produtoras de petróleo e gás do mundo e a guerra criou uma crise energética na Europa. E nessa os europeus aceleraram a busca por fontes alternativas de energia. Uma delas é o hidrogênio verde, um substituto dos combustíveis fósseis. E justamente o Brasil pode se tornar um grande exportador de hidrogênio verde. A gente está falando sobre um mercado que deve movimentar um trilhão de dólares por ano dentro de algumas décadas. Isso é uma estimativa do Goldman Sachs. O tema foi abordado pelo presidente Lula e pelo chanceler alemão Olaf Scholz, na visita dele ao Brasil recentemente.

Mas nesta visita do Scholz ao Lula também foi discutida a guerra da Ucrânia. E aqui a gente entra naquele desafio para a neutralidade brasileira do qual a gente falou antes. É que a guerra mudou a geopolítica do mundo e tem obrigado os países cada vez mais a se posicionar.

Olha como Lula mudou o tom para falar sobre o conflito. No início, ainda como candidato, ele disse que o presidente ucraniano Volodimir Zelenski era tão culpado quanto Putin pelo início do conflito, o que foi um choque para o Ocidente democrático.

Na visita do Scholz, já esse ano, ele disse que agora via a situação de uma forma diferente. "Hoje eu tenho mais clareza da razão da guerra; e eu acho que a Rússia cometeu o erro clássico de invadir o território de outro país; portanto, a Rússia está errada, mas eu continuo achando que quando um não quer dois não brigam", afirmou.

E essa foi a posição do Lula em um comunicado conjunto na visita recente dele ao presidente Joe Biden em Washington: "Ambos os presidentes lamentaram a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional".

O Brasil aceitou usar palavras mais duras contra a Rússia. Vale lembrar que a diplomacia brasileira condenou a invasão russa na ONU, mas não aderiu às sanções impostas por muitos países do ocidente e tanto Bolsonaro quanto Lula recusaram qualquer apoio militar.

E tanto para os alemães, quanto para os americanos, o atual presidente brasileiro repetiu a ideia de criar um grupo para negociar a paz entre a Rússia e a Ucrânia. Lula argumenta que, exatamente por ser neutro, o Brasil teria uma vantagem nessa negociação, mas até agora a proposta parece não ter sido levada muito à sério pelo Ocidente. A próxima parada de Lula é na China, que pelo menos oficialmente, também diz ter uma proposta de paz para o conflito. Ao que tudo indica, os desdobramentos da guerra vão continuar colocando à prova essa posição de neutralidade do Brasil.