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Comissária da ONU condena ataques de Bolsonaro ao Judiciário

25 de agosto de 2022

Michelle Bachelet afirma que presidente brasileiro intensificou investida contra instituições às vésperas da eleição, e considera "preocupante" sua convocação para ato no 7 de setembro, no Rio de Janeiro.

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Michelle Bachelet
Bachelet comentou a situação do Brasil ao fazer um balanço do seu mandato na ONUFoto: Pierre Albouy/REUTERS

A alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, condenou nesta quinta-feira (25/08) os ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Poder Judiciário e ao sistema de votação, às vésperas do pleito de outubro.

"O presidente Bolsonaro intensificou seus ataques ao Judiciário e ao sistema de votação eletrônico, inclusive durante uma reunião com embaixadores em julho, que despertou fortes reações", recordou Bachelet numa entrevista coletiva em Genebra.

Ela referia-se a uma reunião no Palácio da Alvorada na qual o mandatário fez a diplomatas de diversos países uma apresentação de mentiras sobre o sistema de votação, atacou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e exaltou um suposto papel das Forças Armadas na avaliação do processo eleitoral.

Bolsonaro alega, sem apresentar provas, que teria havido fraude em eleições passadas e que as urnas são vulneráveis – algo nunca registrado desde que o sistema foi adotado, em 1996. Ele também vem utilizando o Ministério da Defesa para questionar a urna eletrônica junto ao TSE, o que levantou dúvidas se aceitaria o resultado de uma eventual derrota eleitoral ou se mobilizaria apoiadores para questionar o veredito das urnas, como fez o ex-presidente americano Donald Trump, incitando â invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

Numa sabatina no Jornal Nacional da TV Globo, nesta segunda-feira, Bolsonaro foi questionado se aceitará o resultado das urnas, e respondeu que só pretende aceitá-los se considerar que as eleições "foram limpas".

7 de setembro

Bachelet alertou ainda para possíveis riscos ao processo democrático brasileiro e citou a convocação de Bolsonaro para um ato no feriado de 7 de setembro, no Rio de Janeiro, no qual representantes das Forças Armadas também estarão presentes.

"O mais preocupante é que o presidente pediu a seus apoiadores que protestassem contra as instituições judiciais no próximo dia 7 de setembro, data em que o Brasil celebra 200 anos de independência. Isso levou os partidos a adiarem as iniciativas de campanha previstas para esse dia e a deslocá-las para o dia 10, para evitar confrontos", relatou Bachelet.

"Chefes de Estado devem respeitar outros Poderes, devem respeitar o Poder Judiciário, devem respeitar o Poder Legislativo [...] Não se tomam atitudes que possam aumentar a violência ou o ódio contra instituições democráticas."

Homem e mulher tiram foto em frente a bandeira do Brasil com imagem de Bolsonaro
Apoiadores de Bolsonaro participam de seu primeiro ato de campanha, em Juiz de ForaFoto: Silvia Izquierdo/AP/picture alliance

Bolsonaro convocou a presença do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para um ato cívico-militar na tarde de 7 de setembro no Forte de Copacabana, no Rio, em vez do tradicional desfile militar na Avenida Presidente Vargas, que já estava sendo planejado mas foi cancelado. Em seguida, o presidente se juntará a apoiadores na Avenida Atlântica, em Copacabana, para um ato político.

Nas redes bolsonaristas, circula uma fake news de que haveria um plano dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin para impugnar a chapa de Bolsonaro à reeleição, como um motivo para a mobilização do 7 de setembro, revelou uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo.

Ataques a instituições

Bachelet também comentou sobre ataques de Bolsonaro a ministros do STF e do TSE. O presidente já chamou Moraes, atual presidente da Corte eleitoral, de "canalha", e em 7 de setembro de 2021 afirmara, num ato na Avenida Paulista: "Ou esse ministro se enquadra ou ele pede pra sair. Não vamos admitir que pessoas como Alexandre de Moraes continuem a violar nossa democracia." Bolsonaro também já chamou o ministro Luís Roberto Barroso, que presidiu o TSE até fevereiro, de "filho da puta".

Apoiadores próximos do presidente, como o deputado Daniel Silveira, também fazem sistemáticos ataques ao Judiciário, que são repercutidos pela base bolsonarista em plataformas como o YouTube.

"Não devemos fazer comentários que possam aumentar a violência ou o ódio contra as instituições democráticas [...], não devemos enfraquecê-las com discursos políticos", afirmou Bachelet. "Quando um líder começa a usar uma linguagem que pode ser usada na direção errada, acho que é muito ruim. Líderes precisam garantir que o país possa progredir, onde o diálogo e o respeito pelo outro exista, porque isso é a democracia."

Ao longo do governo Bolsonaro, o STF vem cumprindo um papel importante de controle das atividades do presidente – como durante a pandemia de covid-19 – e da defesa da Constituição e das instituições democráticas. Essa função ganhou mais relevância diante de uma postura mais dócil ao presidente por parte do Congresso, onde o Centrão decidiu apoiar Bolsonaro em troca de acesso privilegiado ao Orçamento.

Os embates ganharam um novo capítulo com a posse de Moraes como presidente do TSE. No STF, o ministro é também relator de inquéritos e ações que miram Bolsonaro e aliados seus engajados no financiamento e disseminação de fake news e na organização de atos contrários a instituições democráticas.

Na terça-feira, a Polícia Federal deflagrou uma ação, autorizada por Moraes, contra oito empresários bolsonaristas que defenderam, em conversas em grupos de aplicativo de mensagens, um golpe de Estado caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência, vença as eleições de outubro.

Violência política

A alta comissária frisou ainda que o Brasil tem "uma situação muito difícil de direitos humanos" e considerou "preocupantes" os registros de violência política, como o assassinato do petista Marcelo Arruda por um bolsonarista, em sua festa de aniversário, e de racismo estrutural persistente, e mencionou ataques contra deputados e candidatos, particularmente os de origem africana, mulheres e da comunidade LGBT.

Os comentários de Bachelet, que foi presidente do Chile por dois mandatos, de 2006 a 2010 e de 2014 a 2018, foram feitos numa entrevista coletiva na qual ela apresentou um balanço de seu mandato na ONU, que termina na próxima quarta-feira.

bl/av (AFP, Reuters, Lusa)