Começa processo contra ex-presidente da Alemanha Christian Wulff
14 de novembro de 2013A partir desta quinta-feira (14/11), pela primeira vez na história um ex-presidente da Alemanha se senta no banco dos réus. Christian Wulff, de 54 anos, o mais jovem chefe de Estado que o país já teve, é acusado de aceitar troca de favores enquanto exercia cargo público.
O caso se transformou em escândalo e provocou a renúncia de Wulff em fevereiro do ano passado, antes mesmo que o político completasse dois anos no cargo. Ele nega as acusações. Se for condenado, estará sujeito a pena de até três anos de prisão.
A promotoria listou 46 testemunhas num processo que denuncia Wulff por tráfico de influência quando era governador do estado da Baixa Saxônia, ao deixar que pernoites em hotel, custos para a babá de seu filho e um jantar em restaurante fossem pagos por um amigo, o produtor cinematográfico David Groenewold, ao qual ele posteriormente ajudou a promover um projeto de filme. As despesas somaram cerca de 750 euros.
Durante o julgamento, todos os boatos pouco agradáveis sobre a vida do ex-presidente devem ser novamente revirados, como ocorreu durante o período anterior a seu afastamento. A propensão de Wulff para o glamour, sua afinidade com o mundo dos ricos e famosos, o controverso empréstimo que tomou de um casal amigo para a aquisição de uma casa, suas férias em casas de veraneio de amigos ricos.
Também deverá ser relembrada a embaraçosa chamada telefônica em que Wulff proferiu ameaças na secretária eletrônica do editor-chefe do diário sensacionalista Bild, o jornal de maior tiragem da Alemanha. Sua ex-mulher e ex-primeira dama, Bettina, estará entre as testemunhas, assim como algumas celebridades.
Estigma de corrupto
O ex-presidente poderia ter evitado tudo isso. O ministério público ofereceu o arquivamento do processo em troca de uma multa – cerca de 20 mil euros, segundo informações não confirmadas. A quantia não chega a ser grande coisa para ele, que tem direito, como ex-chefe de Estado, assim como seus antecessores, a um salário anual de cerca de 200 mil euros, além de carro oficial e escritório.
Mas Wulff rejeitou a oferta e comunicou, através de seus advogados, seu desejo de lutar por sua "dignidade e seus direitos". Fracassado como político, humilhado pela mídia e hoje motivo de pena por parte de muito alemães, o ex-presidente quer ao menos se livrar do estigma de corrupto.
Seus advogados Bernd Müssig e Michael Nagel afirmam que seu cliente tem boas chances de ser absolvido. Já que, de todas as suspeitas concretas de que Wulff se deixara corromper, aparentemente só um único incidente justifica a abertura do processo. Como todas as outras acusações, também esta remonta aos tempos em que Wulff era governador da Baixa Saxônia. Por tudo isso, o processo corre em Hannover, capital daquele estado.
Cargo representativo
De acordo com a promotoria, após ter aceitado que seus gastos fossem em parte pagos pelo empresário Groenewold durante uma visita à Oktoberfest em 2008, Wulff teria pedido apoio financeiro para um projeto de filme de Groenewold, escrevendo uma carta ao então presidente-executivo da Siemens, Peter Löscher.
Os advogados de Wulff negam qualquer ligação entre os dois eventos, mas a rigorosa lei alemã anticorrupção pode incriminar o ex-presidente, apesar da pequena quantia envolvida e da dificuldade em se comprovar a conexão direta entre um fato e outro. A existência de um mero acordo tácito sobre eventuais trocas de favores já é considerada crime passível de punição.
Por isso, a promotoria vai tentar expor toda a rede de relacionamentos entre Wulff e Groenewold, que também está no banco dos réus. Os juízes terão de julgar onde acaba a amizade pessoal e onde começa o favorecimento ilícito. Originalmente, a acusação queria conseguir uma condenação de Wulff por corrupção passiva, mas o tribunal só concedeu a abertura de processo por tráfico de influência. Wulff espera ser absolvido.
No entanto, mesmo uma absolvição deve contribuir pouco para mudar a opinião geral de que Wulff era o homem errado para o cargo de chefe de Estado. Sua falta de tato para lidar com as acusações de que foi vítima arruinou sua reputação.
Autoridades morais como Richard von Weizsäcker ou Theodor Heuss moldaram a imagem que os alemães têm do presidente – cargo que na Alemanha tem, sobretudo, função representativa. O sucessor de Wulff, Joachim Gauck, já conseguiu reconquistar a liderança nas listas de popularidade entre políticos, lugar tradicionalmente ocupado pelos chefes de Estado do país.