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EducaçãoBrasil

Colégio cívico-militar: uma estratégia da extrema direita

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
29 de agosto de 2024

Projeto do governo Bolsonaro não tem qualquer preocupação pedagógica, se ancora na problemática da violência escolar, se maquia de colégio militar, mas é um instrumento de uma agenda muito bem calculada.

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Menina no pátio de uma escola. À frente, policiais fardados.
CED 01 da Estrutural foi uma das escolas públicas do DF onde foi implementado o modelo cívico-militar. Foto de 2019Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Você sabia que escola militar e colégio cívico militar não são a mesma coisa?

Eu mesmo, honestamente, confundia os dois conceitos até poucos dias atrás e aprendi a diferença em uma conversa com um amigo. Compartilhei com ele o vídeo de uma vereadora criticando o projeto de transformar um colégio de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, em cívico-militar.

Disse a ele que não entendia o incômodo dela, pois eu mesmo já tive a oportunidade de visitar dois colégios militares do país e fiquei positivamente admirado. Além disso, é sabido que estes apresentam positivos resultados em índices de educação e aprovações em universidades de ponta. Foi quando ele me explicou que escola militar e colégio cívico-militar não são a mesma coisa.

Fiquei constrangido por ter me confundido por tanto tempo, mas tudo fez sentido rapidamente. A narrativa política da extrema direita acerca dos colégios cívico-militares me confundiu. Nesta coluna, começarei pontuando, de modo simplista, a diferença entre ambos e depois irei discorrer, com mais calma, sobre a questão política por trás.

Qual a diferença entre colégio militar e colégio cívico militar?

No Brasil, há 14 colégios militares. Em 1889, foi criado o Imperial Colégio Militar da Corte, que, após a Proclamação da República, viria a se tornar o Colégio Militar do Rio de Janeiro. Eles são geridos pelo exército brasileiro e historicamente apresentam bons resultados em termos de aprendizagem e em aprovações nos vestibulares. Não coincidentemente, muitos deles têm expressivas filas de espera, pois os pais associam conseguir matricular seus filhos com possibilitando um futuro próspero para eles.

Já os cívico-militares remontam a um passado mais recente e estão dentro de um contexto político muito específico: o governo de Jair Bolsonaro. O projeto nasce com o decreto presidencial de número 10.004, publicado no Diário Oficial da União, em setembro de 2019, cujo intuito era implantar o modelo em todo o território nacional.

Este modelo se pauta em inserir em colégios regulares membros das forças armadas que estejam na reserva, ou seja, aposentados. Quando isso não for possível, o Estado designará policiais militares ou membros do corpo de bombeiros. O financiamento para este modelo vem das secretarias estaduais de Segurança Pública e das próprias secretarias estaduais de Educação.

Narrativa tendenciosa para fortalecer a agenda

É sabido que no Brasil há altos índices de violência dentro dos colégios, entre os próprios alunos e também para com o corpo docente. Alinhado a isso, é bastante midiático os casos de indisciplina. Este cenário foi o pano de fundo para legitimar o projeto dos colégios cívico-militares.

Não estou banalizando a importância de pensarmos em uma política que trabalhe a questão da violência e da indisciplina. São pautas importantes e não triviais. Meu incômodo é o seguinte: a solução precisa, obrigatoriamente, envolver a entrada de policiais dentro dos colégios? Realmente não havia nenhuma outra opção de abordagem para a problemática?

A  narrativa de veiculação não poderia ser pautada em "projeto de colocar policiais dentro dos colégios para garantir a ordem”, afinal soa agressivo demais e seria mais difícil contar com a adesão popular. A estratégia, inteligente- diga-se de passagem, foi maquiar o projeto dos colégios cívico-militares com a imagem dos colégios militares, pois assim a aceitação seria mais fácil, dado o grande nível de reputação dos colégios militares.

No entanto, friso novamente, as propostas não são iguais. Os colégios militares existem há anos e contam com um sólido projeto pedagógico e com um time bastante preocupado com a aprendizagem do corpo discente. Já o outro, nasceu no governo de um presidente que notoriamente não se importa com a educação e cuja última preocupação, para não dizer que ela é inexistente, é para com a aprendizagem dos estudantes.

Qual a real intenção?

Na política, nenhum passo é aleatório. Todos compõem uma estratégia, e esta integra uma agenda. Claro que há estratégias ruins e com passos não sólidos, mas que, ainda assim, integram um objetivo maior. Isso na direita e na esquerda, na extrema direita e na extrema esquerda. É um jogo político.

O problema é que a extrema direita tem um longo histórico de não se importar verdadeiramente com a educação, no sentido da aprendizagem dos estudantes, da diminuição das desigualdades, do aumento da mobilidade social e do desenvolvimento do Brasil.

A educação não é a pauta de maior relevância para eles e, quando se aventuram na pasta é, de modo bastante simplista, para falar o que não sabem, se pautando em achismos e em fake News - mas nunca, repito, nunca, de modo aleatório ou ingênuo. Há sempre uma agenda por trás e uma estratégia para a operacionalizar.

Neste caso não é diferente. A aprendizagem dos estudantes não é o que pautou a criação do projeto dos colégios cívico-militares. Vou além e afirmo que nem mesmo a problemática da violência nos colégios, pois ela apenas criou uma oportunidade para que o projeto fosse concebido e aprovado.

Aqui provoco você, querido leitor, e pergunto: qual a intenção do governo de extrema direita com a inserção de policiais nos colégios?

Para mim, há objetivos no curto e no longo prazos. No curto, para serem agentes importantes para a implementação dos ideais e das pautas da extrema direita dentro dos colégios, ideais estes que não muito dificilmente desrespeitam as minorias e os direitos humanos. Para ilustrar: combate à famosa "doutrinação” dos professores, por exemplo.

No longo prazo, creio que pretendem criar um precedente para que, em algum momento, os colégios tenham também suas gestões e outras instâncias tomadas pela força militar. Absurdo? Creio que não. Já perdi a conta da quantidade de vezes que ouvi pessoas dizendo que a ditadura deveria voltar. Há uma ideia de que os militares são os únicos capazes de trazer ordem.  E a população geral, por falta de informação, muitas vezes associa a origem com as agendas da extrema direita, pois estes fazem um excelente trabalho nas mídias sociais.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.