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Checagem: verdades e mentiras do debate de Kamala e Trump

Anwar Ashraf | Kathrin Wesolowski
11 de setembro de 2024

Duelo televisivo entre os presidenciáveis americanos foi repleto de meias verdades e mentiras, como a afirmação de que imigrantes ilegais estariam comendo cães e gatos. Veja o que é fato e o que é fake.

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Homem olha TV com debate entre Kamala Harris e Trump com barracas de acampamento ao fundo
Debate entre os presidenciáveis americanos em abrigo para migrantes no MéxicoFoto: Carlos A. Moreno/picture alliance/ZUMA Press Wire

Os candidatos à Presdiência dos EUA Kamala Harris e Donald Trump se enfrentaram em um debate acalorado na Filadélfia na noite de terça-feira (10/09).

Desde declarações exageradas sobre o desemprego e histórias bizarras com o objetivo de incendiar a retórica anti-imigrante, além de números falsos sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, a DW analisou algumas afirmações feitas no duelo e separou fatos da ficção.

Imigrantes estão comendo animais de estimação?

Afirmação: O ex-presidente Trump repetiu uma afirmação sobre imigrantes que comem animais de estimação nos EUA, especialmente no estado de Ohio. "Em Springfield, eles estão comendo os cachorros. As pessoas que entraram. Estão comendo os gatos. Eles estão comendo... estão comendo os animais de estimação das pessoas que vivem lá."

Checagem da DW: Não comprovado

Trump usou repetidamente a retórica anti-imigrante durante o debate. A alegação foi amplamente divulgada nas mídias sociais nos últimos dias, e promovida na plataforma X na segunda-feira pelo companheiro de chapa de Trump, o senador de Ohio JD Vance. Um dia depois, Vance declarou em outra postagem ser possível "que todos esses rumores se revelem falsos". 

Não há nenhuma evidência que sustente essa afirmação em Springfield, Ohio. Após o comentário de Trump, o apresentador David Muir observou que a ABC News havia entrado em contato com o chefe do governo de Springfield, que confirmou não haver relatos de animais de estimação sendo machucados, feridos ou maltratados pela comunidade de imigrantes.

De acordo com outros meios de comunicação, as autoridades de Springfield, no estado de Ohio, disseram não ter recebido nenhum relato confiável de imigrantes sequestrando ou comendo animais de estimação.

Trump fala durante debate na TV
"Em Springfield, estão comendo os cachorros, estão comendo os animais de estimação", disse Trump sobre imigrantes ilegaisFoto: Win McNamee/UPI Photo via Newscom picture alliance

Em sites conservadores, a DW encontrou artigos que afirmam que os imigrantes prejudicam os animais, mas não forneceram nenhuma evidência.

Os democratas apoiam a execução de bebês?

Afirmação: Trump disse que "sob Roe v. Wade [...] você poderia fazer abortos no sétimo mês, no oitavo mês, no nono mês" e acrescentou: "E provavelmente após o nascimento". 

Checagem da DW: Enganoso

Roe v. Wade, a decisão histórica de 1973 que protegia o direito ao aborto nos EUA, não especificava um mês específico em que os abortos deveriam ser legais. A partir do final do segundo trimestre, o estado poderia regulamentar ou proibir abortos para proteger a saúde da gestante ou para preservar a viabilidade do feto.

No entanto, nenhum estado dos EUA permite o aborto em estágio avançado, e o infanticídio é ilegal no país. O veículo de mídia Axios compilou uma lista de estados e suas restrições quanto à permissão de abortos no final da gravidez. Dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças mostram que menos de 1% dos abortos são realizados após 21 semanas, geralmente devido a condições médicas graves.

Trump apoia uma proibição nacional do aborto?

Afirmação: "Se Donald Trump for reeleito, ele assinará uma proibição nacional do aborto", afirmou Harris. "Entenda que em seu Projeto 2025 haveria uma proibição nacional do aborto."

Checagem da DW: Falso

O Projeto 2025 é um documento de quase mil páginas publicado pela Heritage Foundation em 2023. Ele consiste em propostas detalhadas de políticas elaboradas por centenas de conservadores, que esperam que Trump as adote se for reeleito. O projeto não menciona especificamente uma proibição nacional do aborto, mas certas ideias que poderiam levar à proibição do aborto em todo o país. 

É difícil prever qual seria a posição de Trump em relação a uma proibição nacional do aborto se ele fosse reeleito presidente dos EUA. Entretanto, ele nunca declarou explicitamente que imporia uma proibição nacional. Trump evitou responder a essa pergunta várias vezes, inclusive durante o debate, quando deixou de dar um claro "sim" ou "não".

A vice-presidente Kamala Harris fez referência ao Projeto 2025 em sua alegação, afirmando que uma proibição nacional do aborto faz parte do documento. No entanto, Trump tem se distanciado repetidamente do projeto. Durante o debate, ele disse: "Não tenho nada a ver com o Projeto 2025. Isso está lá fora. Eu não o li. Não quero ler, propositalmente. Não vou ler".

Pior taxa de desemprego desde a Grande Depressão?

Afirmação: "Donald Trump nos deixou o pior desemprego desde a Grande Depressão”, afirmou Harris.

Checagem da DW: Enganosa.

A Grande Depressão, uma recessão econômica mundial, começou em 1929 e durou cerca de uma década. A taxa de desemprego atingiu o pico em maio de 1933, com 25% dos americanos sem emprego. Os números exatos variam um pouco, dependendo dos dados utilizados, pois algumas estatísticas foram ajustadas sazonalmente, enquanto outras não.

Em abril de 2020, sob a presidência de Trump, a taxa de desemprego subiu para cerca de 14,8%, a mais alta desde 1933. É importante observar que isso ocorreu no auge da primeira onda da pandemia de covid-19, quando muitas restrições estavam em vigor para impedir a propagação do vírus.

Kamala Harris durante debate na TV
"Se Donald Trump for reeleito, ele assinará uma proibição nacional do aborto", afirmou Kamala Harris.Foto: Brian Snyder/REUTERS

Pode ser verdade que tenha sido a taxa mais alta desde a Grande Depressão, mas quando Joe Biden assumiu a presidência em janeiro de 2021, a taxa de desemprego já havia caído para cerca de 6,4%.

Milhões morreram na guerra na Ucrânia?

Afirmação: ao responder a uma pergunta sobre a guerra entre Israel e Hamas, Trump desviou a discussão para o conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Ele afirmou: "Se eu fosse presidente, a Rússia nunca, jamais [...] teria entrado na Ucrânia e matado milhões de pessoas quando você soma tudo".

Checagem da DW: Falso

Essa afirmação é um exagero significativo. Embora seja difícil verificar de forma independente o número de mortos durante as guerras, os relatórios mostram que não houve milhões de mortes, mas vários milhares. Um relatório da ONU de fevereiro de 2024 afirmou que mais de 10 mil civis foram mortos desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, e quase 20 mil civis ficaram feridos. 

Trump encerrou o Nord Stream 2 e Biden o trouxe de volta?

Afirmação: Trump disse: "Eu acabei com o gasoduto Nord Stream 2 e Biden o colocou de volta no primeiro dia".

Checagem da DW: Enganoso.

O Nord Stream, um par de gasodutos de gás natural que atravessa o Mar Báltico, teria permitido que a Rússia aumentasse a exportação de gás natural para a Europa Ocidental. O gasoduto foi danificado em uma explosão submarina em setembro de 2022.

É verdade que, em 2019, Trump impôs sanções ao projeto Nord Stream 2 da Rússia. No entanto, a essa altura, a construção do gasoduto estava quase concluída.

Biden renunciou às sanções contra o projeto em maio de 2021, cinco meses após o início de sua presidência. Na época, Biden disse que as sanções seriam "contraproducentes" para as relações entre os EUA e a Europa. No entanto, em fevereiro de 2022, após o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, Biden restabeleceu as sanções contra o duto. 

Trump disse que haverá banho de sangue? 

Afirmação: "Donald Trump, o candidato, disse nesta eleição que haverá um banho de sangue se [...] o resultado desta eleição não for de seu agrado", disse Harris.

Checagem da DW: Enganoso.

O vice-presidente Harris se referiu a comentários que Trump fez em março em um comício em Vandalia, Ohio. Trump respondeu imediatamente que seu uso de "banho de sangue" se referia ao setor de energia. Discutindo o setor automobilístico, ele se dirigiu ao presidente chinês Xi, dizendo: "Vamos impor uma tarifa de 100% sobre todos os carros que cruzarem a linha, e você não poderá vender esses carros se eu for eleito."

Ele acrescentou: "Agora, se eu não for eleito, será um banho de sangue para todo o país – isso será o mínimo." Ele advertiu: "Vai ser um banho de sangue para o país. Isso será o mínimo. Mas eles não vão vender esses carros".

Os porta-vozes de Trump também disseram a vários meios de comunicação na época, incluindo o jornal The Washington Post e a emissora NBC News, que ele estava falando apenas sobre economia.