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Polêmica

Steffen Leidel/Agências (sv)8 de novembro de 2008

Audiência Nacional espanhola decide paralisar abertura de dezenas de valas comuns no país, onde estão enterradas vítimas da Guerra Civil e do franquismo. Caso polêmico envolve família do poeta García Lorca.

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O juiz espanhol Baltasar GarzónFoto: picture-alliance/dpa

Por dez votos a cinco, a Audiência Nacional (Tribunal Superior) decidiu pela suspensão da exumação de cadáveres de vítimas da Guerra Civil espanhola (1936-1939) e do franquismo (1939-1975). O argumento dos juízes contra a abertura das valas comuns onde estão enterradas as vítimas é a de que a exumação poderia causar "prejuízos irreversíveis de difícil reparação" ao país. As exumações ficaram suspensas até que seja provado que o juiz Baltasar Garzón "é competente" para levar o processo adiante.

Garzón havia autorizado a abertura de 19 valas comuns, nas quais estão, entre outros, supostamente enterrados os restos mortais do poeta Federico García Lorca (1898-1936). A polêmica na Espanha se alastrou na última quinta-feira (06/11), quando o juiz Santiago Pedraz, que substituía Garzón enquanto este se encontrava de licença de saúde, autorizou a exumação em seis lugares, entre eles no Vale dos Caídos, um mausoléu que Franco mandou construir nas proximidades de Madri e onde seu corpo está enterrado.

Pacto de silêncio

General Francisco Franco
O ditador Francisco Franco, em julho de 1938Foto: AP

O capítulo da história espanhola que vai da Guerra Civil até o fim da ditadura Franco ainda é tabu no país. Políticos de vários matizes acreditam que a transição para o regime democrático, após a morte de Franco, em 1975, só foi possível graças a um pacto tácito de silêncio.

Em 1977, políticos da então jovem democracia decidiram, de comum acordo, anistiar todos aqueles que tivessem tido alguma participação em assassinatos durante a Guerra Civil. O acordo dizia respeito a combatentes dos dois lados: republicanos e franquistas.

O silêncio perdurou até o momento em que a geração dos netos das vítimas da Guerra Civil decidiram ir em busca do passado e pesquisar a respeito. Surgiu um movimento de cidadania, que se espalhou por todo o país. Tudo começou com a busca dos cadáveres dos avós dessas pessoas, enterrados em valas comuns no país. Desde 2000, foram identificados os restos mortais de mais de 4 mil vítimas da Guerra Civil que se encontravam enterradas em 171 valas.

Incerteza

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Exumação de restos mortais e vala comum de Málaga, no sul do paísFoto: AP

Até hoje não se sabe quantos cadáveres estão realmente enterrados nessas valas. Especialistas estimam que pode se tratar de mais de 200 mil vítimas republicanas. Avalia-se que Franco, mesmo depois do fim da Guerra Civil, mandou matar 150 mil pessoas. Por outro lado, os republicanos foram responsáveis pela morte de 60 mil pessoas, entre elas vários padres.

Muitas famílias não sabem, até hoje, onde estão enterrados seus parentes. Por muito tempo, não houve qualquer movimento jurídico no sentido de mudar essa situação. Em 2002, o Parlamento espanhol, sob o governo do ex-premiê conservador José Maria Aznar, condenou unanimemente o franquismo, porém, sem qualquer conseqüência do ponto de vista jurídico.

Memória ditada por lei

O premiê socialista José Luis Rodríguez Zapatero decretou a elaboração do passado como uma das prioridades do seu governo. Seu avô republicano foi assassinado durante a Guerra Civil. Por iniciativa do governo socialista (PSOE), foi aprovada em dezembro de 2007 a "Lei da Memória Histórica", destinada a apoiar os descendentes das vítimas e a auxiliar a elaborar o passado.

Foi aí que entrou na história o juiz Baltasar Garzón. Conhecido no país por suas investigações a respeito do ditador chileno Augusto Pinochet, Garzón, deu início a um processo perante a Audiência Nacional, visando esclarecer os assassinatos em massa da Guerra Civil espanhola e dos primeiros anos da ditadura franquista.

Até 1952, desapareceram no país 114.266 pessoas. Para Garzón, trata-se claramente de crimes contra a humanidade. "O Estado não pode anular seus próprios crimes", declarou o juiz, para quem os delitos cometidos sob a ditadura franquista não estão submetidos à anistia de 1977.

Ventos contrários a Gazón

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Memorial a Federico García LorcaFoto: AP

Garzón explica que os crimes do passado fizeram parte de um plano sistemático para eliminar os adversários políticos do regime. Logo, seriam crimes contra a humanidade. Em busca de milhares de vítimas desaparecidas, ele autorizou a abertura de 19 valas comuns, entre elas aquela onde supostamente se encontram os restos mortais do poeta García Lorca.

A iniciativa de Garzón, suspensa na última sexta-feira (07/11) pela Audiência Nacional, divide o país. Enquanto o juiz recebe o apoio da esquerda, círculos conservadores e também a Igreja Católica – que apoiou Franco no passado – acusam o juiz de estar remexendo desnecessariamente em "feridas antigas". Garzón chegou a ser atacado pessoalmente, tendo que ouvir que sua iniciativa se dá apenas por egocentrismo e pura vaidade.

Interesses escusos

O procurador Javier Zaragosa, que trabalhou durante 20 anos com Garzón, afirma hoje que os crimes de então não são, em princípio, crimes contra a humanidade, mas delitos comuns. Logo, Garzón não seria, segundo Zaragosa, responsável pelo julgamento. Tudo indica que a amizade entre os dois juízes está abalada.

Do ponto de vista jurídico, os propósitos de Garzón se movem sobre um terreno frágil. É possível que a decisão da Audiência Nacional de suspender a abertura das valas ponha mais uma vez fim à esperança dos parentes das vítimas de esclarecer o passado.