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Bullying em colégio "top" de SP: que elite é essa?

Nina Lemos
Nina Lemos
27 de agosto de 2024

Existem muitas camadas para tentar entender tragédia que resultou na morte de um bolsista de 14 anos do Colégio Bandeirantes. Uma delas é o preconceito de classes puro e simples, passado de geração para geração.

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Duas sombras de meninos em cima de amarelinha
"De toda maneira, obviamente, se há bullying tão pesado contra um garoto preto, pobre e gay, a culpa não é só da escola"Foto: Heckler Pierre/Maxppp/dpa/picture alliance

A história é triste e revoltante. Um menino de 14 anos, pobre e da periferia de São Paulo, consegue uma bolsa para estudar em um dos colégios mais conceituados do país. A família comemora. Ao receber o resultado de que havia passado no rigoroso teste de admissão da escola, cuja mensalidade é de cerca de R$ 4,5 mil, o menino chora de felicidade. Um ano e meio depois: o menino se mata no caminho da escola. De acordo com sua família, ele cometeu suicídio depois de viver, no colégio dos sonhos, um pesadelo marcado pelo bullying por ser gay, preto e morador da periferia.

Infelizmente, isso aconteceu de verdade. O menino é Pedro Henrique de Oliveira, morador da Vila dos Remédios, em Osasco, filho de uma auxiliar de limpeza em uma escola municipal e de um auxiliar de almoxarifado. Pedro cometeu suicídio no caminho da escola, o super tradicional Colégio Bandeirantes, no dia 12 de agosto.

Em mensagens enviadas para a família, de acordo com reportagem publicada pela revista Piauí, ele teria dito, entre outras coisas: "Fizeram chacota de mim por eu ser gay", "Me humilharam (na frente) da sala inteira. Eu não aguento mais". "Eu fiquei trancado no banheiro por 50 minutos, chorando."

Pedro só tinha 14 anos. Imagina ter que lidar com tudo isso que é relatado pela sua família? A entidade que deu a bolsa para Pedro, a Ismart, foi alertada. Ele teria tido acesso a um psicólogo. O colégio teria sido avisado. Mas a família de Pedro acredita que muitas vezes ele sofria calado com medo de perder a bolsa. Uma tristeza.

Igualdade de direitos parece não ter existido nem na hora da reclamação

Existem muitas camadas para tentar entender essa tragédia que resultou no suicídio de um menino de 14 anos. Uma delas é o preconceito de classe puro e simples. Esse sentimento é passado de geração para geração, assim como o sobrenome das famílias tradicionais e as heranças.

Isso pode ser visto nas escolas. Segundo a reportagem da Piauí, até pelo menos 2019 os alunos bolsistas estudavam em salas separadas dos alunos "normais". Separar bolsistas de pagantes me lembra os elevadores "social" e "de serviço" dos prédios do Brasil. Agora, as salas são misturadas para haver uma "maior integração". Mas, segundo a família de Pedro, ele só andava com outros bolsistas.

Em seu site, o Colégio Bandeirantes avisa que um dos seus valores é: "integração, colaboração e cooperação". O que significa, para o estudante: "Pauto minha atitude pelo respeito às pessoas e suas ideias e não aos organogramas e hierarquias". Parece bonito.

De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, o Colégio Bandeirantes enviou uma carta para os pais afirmando que a cobertura da imprensa sobre o caso era "sensacionalista". "Reafirmamos que há muitas inverdades, e que o tema não foi apurado com responsabilidade pelos veículos divulgadores. Ademais, o tom sensacionalista é extremamente irresponsável e impacta negativamente a saúde mental de nossos alunos e colaboradores". O colégio teria também enumerado as medidas que têm tomado para combater o bullying.

Quem são esses pais?

De toda maneira, obviamente, se há bullying tão pesado contra um garoto preto, pobre e gay, a culpa não é só da escola. Esses ataques vêm dos alunos, que são (mal) educados por suas famílias. O que os pais de "elite" estão ensinando para seus filhos? Em que ambientes crescem pessoas assim? Eles devem ouvir em casa que isso ou aquilo é "coisa de viado". Ou seja, alguns deles parecem ter parado completamente no tempo. Muitos devem ter pais nostálgicos de um tempo em que "era mais barato achar empregada doméstica" e quando todo mundo podia "rir de viado" numa boa.

É chocante ver denúncias de bullying, como as que podem ter feito Pedro se matar, no ano de 2024. Na minha época de escola, lá nos anos 80, a gente ainda tinha a desculpa de não ter informação. Hoje, todos falam sobre racismo e homofobia. Se essa elite e seus filhos não aprendem é porque eles simplesmente não querem e preferem viver no ambiente "Casa Grande e Senzala" que pautou a elite brasileira por tanto tempo.

Também choca (e assusta) ver que a nova geração não é tão aberta e evoluída como muitas vezes parece. Falo isso porque muitos jovens da geração Z são incríveis e nos dão aulas. Eles são conscientes da diversidade, politicamente corretos e comprometidos com causas sociais. Essa é uma geração, por exemplo, de meninos e meninas negros empoderados. E também de jovens bem resolvidos com sua sexualidade. Uma prova disso é o próprio Pedro Henrique, gay assumido para a família com apenas 14 anos.

Na verdade, essas pessoas ricas que dominam essas escolas com mensalidades de mais de R$ 4 mil nem são a verdadeira "elite", se a gente pensar direito. Lembrei do Emicida ao ler a triste história de Pedro. Em uma conversa com Luciano Huck no programa Papo de Segunda, o rapper questionou o uso da palavra elite para designar a fatia que concentra o "1% da riqueza do Brasil". "Eu me recuso a chamar de elite, porque elite é o que a gente tem de melhor numa categoria, essas pessoas só têm dinheiro", disse.

Emicida tem razão. Elite era o Pedro Henrique, que passou em uma prova tão difícil para entrar em um colégio tão caro, e também sua família, que acreditava na educação.

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Se você enfrenta problemas emocionais e tem pensamentos suicidas, não deixe de procurar ajuda profissional. Você pode buscar ajuda neste site: https://www.befrienders.org/portugese

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.