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Berlinale 2020: cinema latino-americano floresce na Alemanha

Julia Brekl | Cristiane Ramalho fc
18 de fevereiro de 2020

Filmes latinos abordam temáticas diversas, como migração, identidades sexuais alternativas e histórias entre realidade, ficção e ilusão. Brasil tem presença recorde, disputando Urso de Ouro com "Todos os mortos".

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Cena do filme brasileiro "Todos os mortos", que disputa o Urso de Ouro na Berlinale
Cena do filme brasileiro "Todos os mortos", que disputa o Urso de Ouro na BerlinaleFoto: Dezenove Som e Imagens/Hélène Louvart

Este ano o cinema latino-americano estará presente em diversas mostras da 70ª edição do Festival de Cinema de Berlim, a Berlinale, com 19 estreias mundiais. Chile, Colômbia, Peru, Cuba, Uruguai, México e, sobretudo, Argentina e Brasil representam a região no festival.

O cinema latino-americano parece estar florescendo e oferece visões muito diversas: temas sobre migração (Los lobos e Cidade pássaro), diferentes identidades sexuais (El nombre del hijo, Las mil y una, Alice Júnior), as realidades (conflituosas) das comunidades indígenas (Jiíbie, Apiyemiyekî?), ou histórias entre realidade, ficção e ilusão (El silencio del río, El tango del viudo y su espejo deformante, El fugitivo, Isabella).

Brasil: presença recorde e disputa pelo Urso de Ouro

Com 19 filmes, entre produções e coproduções, o Brasil terá uma presença recorde na Berlinale 2020. Os temas vão desde o meio ambiente até o universo queer. "Estamos muito preocupados", comentou à DW o italiano Carlo Chatrian, novo diretor do festival. "Achamos importante mandar um sinal para a industrial internacional de que nos importamos com o cinema brasileiro."

Na avaliação de Chatrian, a boa safra de filmes inscritos no festival pode ser um efeito colateral da política de esvaziamento cultural do governo do presidente Jair Bolsonaro. "Muitos produtores sabiam que, se deixassem para o ano seguinte, poderiam não ter mais financiamento, pois a Ancine poderia fechar. Por isso correram para terminar seus filmes com o dinheiro disponível." Ele frisou, ainda, a "grande diversidade": "É a melhor resposta para quem diz que o cinema brasileiro não está vivo, e não deve ser financiado."

Na mostra principal, o país disputará o Urso de Ouro com Todos os mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra. Coprodução entre Brasil e França, o longa discute a herança da escravidão. Situada no final do século 19 e início do século 20,  a trama retrata um país em transição, após o fim da escravidão e no início da República.

O filme concorrerá com produções como The roads not taken, da britânica Sally Porter; Le sel des larmes, do francês Philippe Garrel; Never rarely sometimes aways, da americana Eliza Hittman; El prófugo, da argentina Natalia Meta; e Domangchin yeoja (The woman who ean), do sul-coreano Hong Sangsoo.

Na mostra Panorama, segunda mais importante da Berlinale e única a ter uma premiação definida pelo público, o cinema brasileiro estará representado por cinco filmes: Cidade pássaro, de Matias Mariani; Nardjes A., de Karim Aïnouz; O reflexo do lago, de Fernando Segtowick; e Vento Seco, de Daniel Nolasco. Também participa da mostra a coprodução entre Brasil, Argentina e Suíça Un crimen común, dirigida pelo argentino Francisco Márquez.

Cinema argentino: uma forma de resistência

Como nos anos anteriores, a Argentina estará novamente representada na Berlinale com várias produções. Após seis anos de ausência, o país também volta à competição pelo Urso de Ouro com a coprodução argentino-mexicana El prófugo. A obra da premiada diretora Natalia Meta (Muerte em Buenos Aires, de 2014) aborda os limites de gênero e trata da jovem artista Inés (Erica Rivas), que no decorrer do filme se perde cada vez mais entre a realidade e seus pesadelos.

Por sua vez, a diretora argentina Clarisa Navas estará pela primeira vez na Berlinale este ano. Com Las mil y una, ela abre a mostra Panorama, dedicada a produções com temáticas jovens, incomuns e políticas. "Foi uma grande notícia quando descobrimos que o filme havia sido selecionado, porque é praticamente um dos festivais mais importantes; e também me parece que há uma afinidade com certas questões de valorizar expressões mais radicais. Acredito que a Berlinale e a Panorama assumem riscos e se detêm em certas expressões mais singulares de cinematografias periféricas. Nesse sentido, creio que há muita abertura para ser descoberta", comentou Navas à DW.

Las mil y una conta a história do amor juvenil entre duas meninas (Sofía Cabrera e Ana Carolina García), que vivem em um conjunto habitacional social na província de Corrientes, no nordeste da Argentina. No decorrer da história, elas são confrontadas com hostilidades devido a sua identidade sexual. A decisão de retratar uma história de amor homossexual num ambiente sociocultural fragilizado foi consciente: para Navas, o cinema deve agir como uma forma de resistência e ajudar a abrir a mente da sociedade.

Jovens experimentam identidades sexuais alternativas no filme argentino "Las mil y una"
Jovens experimentam identidades sexuais alternativas no argentino "Las mil y una"Foto: Varsovia Films

Não só o tema do filme Navas é inusitado. É também a primeira vez que um filme argentino da província de Corrientes será apresentado em Berlim. "A Argentina não é um país muito federalista. Quando falamos de cinema argentino, muitos se referem aos filmes que vêm de Buenos Aires. Além disso, estamos vivendo uma grande crise, e isso torna muito mais difícil fazer filmes, especialmente num país como Argentina e na região de onde venho", adverte Navas.

No entanto, com apoio econômico europeu, como o World Cinema Fond, que financiou Las mil y una e coproduções, é possível continuar produzindo filmes argentinos. Ela também frisa que é a grande cena cinematográfica argentina e seus vínculos com a Europa e, especificamente, a Alemanha, mantêm viva a indústria do cinema no país.

"Para mim, o cinema argentino e europeu, especialmente o cinema autoral e todas as expressões que não repetem as lógicas de Hollywood, são muito mais afins, porque sempre olharam para a Europa, e as influências são muitas. Especificamente com a Alemanha, acredito que também existem muitos laços, não só em termos de produção, devido às possibilidades de apoio financeiro, mas também porque a Argentina recebeu muita imigração da Alemanha. Isso também se infiltrou na cultura e gera maior potencial de compreensão."

Chile, convidado para o Mercado Europeu de Cinema da Berlinale

Embora o Chile esteja presente no programa oficial da Berlinale este ano com apenas um filme (El tango del viudo y su espejo deformante), é o primeiro país sul-americano convidado para o Mercado Europeu de Cinema da Berlinale (EFM), uma das maiores feiras internacionais de cinema do mundo. Nela, os chilenos apresentarão em profundidade sua indústria cinematográfica e seus cineastas. "O cinema chileno tem uma longa tradição na Berlinale, que queremos manter a todo custo", diz a nova diretora-executiva do festival, Mariette Rissenbeek.

A presença do Chile na Berlinale começou em 1983, com o país em meio a uma ditadura militar em que a cultura foi silenciada. Na época, Cristián Sánchez era um dos poucos cineastas chilenos que ainda não deixara o Chile e que, no entanto, conseguiu exibir na Berlinale seu Los deseos concebidos.

"Quem estava fazendo filmes nesse período teve que deixar o país, porque estava questionando o status quo. Foram 20 anos de silêncio. No cinema de hoje há muitas reflexões sobre o que aconteceu durante esses anos", explica Elisa Leiva, responsável pelas relações internacionais da agência de difusão do cinema chileno no exterior CinemaChile. Nos últimos anos, dois filmes do diretor Sebastián Lelio ganharam Ursos de Prata na Berlinale: Gloria, melhor atriz em 2013, e A fantastic woman, melhor roteiro em 2017. Além disso, Lelio fez parte do júri internacional em 2019.

Mesmo assim, além dos grandes nomes do cinema chileno, Leiva também espera que talentos emergentes possam ser fortalecidos em Berlim. "Nesta edição da EFM há muitos produtores emergentes em espaços como o 'Mercado de Séries' ou 'Centro de Produtores'. Temos modelos como o de Sebastián Lelio, mas esperamos que isso também seja possível para quem está apenas começando."

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