1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Avanço da energia nuclear pode ser bom para o clima?

Martin Kuebler
23 de janeiro de 2025

Com aumento da demanda, energia nuclear deve atingir níveis recordes em 2025, embora seus riscos desafiem o status de "energia limpa". China é maior impulsionadora do modelo.

https://p.dw.com/p/4pVdP
Usina nuclear na República Checa, com painéis solares no teto
Energia nuclear avança rapidamente na competição com energias renováveisFoto: picture alliance/dpa/CTK

A energia nuclear não libera emissões de carbono durante sua produção, vantagem que tem alavancado o modelo como uma solução limpa para suprir a demanda de energética, que cresce em ritmo acelerado em todo o mundo.

Contudo, embora não polua da mesma forma que os combustíveis fósseis, a energia nuclear tem seu próprio conjunto de problemas ambientais. Entre eles, as emissões indiretas liberadas pela extração do urânio, o acúmulo de resíduos radioativos e o risco de contaminação da água ou da ocorrência de um desastre como o de Chernobyl.

Apesar dos riscos, a Agência Internacional de Energia (AIE) projeta que a energia nuclear vai representar quase 10% da produção global de eletricidade em 2025 – o maior nível em 30 anos.

Segundo Fatih Birol, diretor executivo da AIE, esse crescimento foi liderado pela China, impulsionado em parte para suprir a demanda energética de grandes centros de dados e de tecnologias como a inteligência artificial (IA).

Nos últimos meses, os gigantes da tecnologia Meta, Amazon, Microsoft e Google anunciaram planos de investir em energia nuclear sob a bandeira da neutralidade carbônica – apesar de antes terem prometido apostar exclusivamente de energias renováveis. E com a pressão crescente para se reduzir as emissões de gases de efeito estufa, alguns formuladores de políticas também se manifestaram a favor de um novo impulso para o modelo.

Energia nuclear é uma solução climática realista?

Quase dois anos depois de a Alemanha fechar seus últimos reatores nucleares, os partidos União Democrata Cristã e Social Cristã (CDU/CSU) de oposição conservadora, pediram mais pesquisas sobre a tecnologia nuclear.

De olho nas eleições federais alemãs em fevereiro, seu manifesto eleitoral da afirma que a energia nuclear "tem um papel importante a desempenhar, especialmente no que diz respeito às metas climáticas e à segurança de abastecimento".

Pequenos Reatores Modulares: energia nuclear com segurança?

Friedrich Merz, candidato a chanceler federal pela CDU, descreveu o fechamento dos reatores alemães como um "erro estratégico", mas diz que não é realista pensar em reativar agora as usinas desligadas.

Outras siglas querem examinar a possibilidade. A ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), por exemplo, está pressionando pelo retorno à energia nuclear, como parte de uma "combinação de energia sustentável e séria". Em entrevista recente à emissora alemã ZDF, a candidata do partido à chefia de governo, Alice Weidel, afirmou que a energia nuclear tem "uma pegada zero de CO2".

A coalizão governamental do chanceler federal alemão Olaf Scholz, hoje composta pelos social-democratas e verdes, descarta o retorno à energia nuclear, que também envolve emissões carbônicas indiretas ao longo do complexo processo de construção dos reatores.

Henry Preston, porta-voz da Associação Nuclear Mundial (WNA), acredita que os formuladores de políticas se tornaram mais "pragmáticos" nos últimos anos, equilibrando a segurança energética e a emergência climática, enquanto pesam o aumento do custo e do cronograma de construção de um reator nuclear com o potencial de produzir uma "enorme quantidade” de energia limpa.

No entanto, grupos ambientalistas têm apontado que os novos e caros projetos nucleares, que normalmente levam cerca de uma década para ser construídos após todo o processo de planejamento e licenciamento, não entrarão em operação a tempo de cumprir as metas climáticas.

"Uma transição rápida requer o uso de tecnologias e soluções existentes que possam ser implementadas mais rapidamente, como as energias renováveis, principalmente a solar e a eólica, além de eficiência energética e flexibilidade sistêmica", frisou a Climate Action Network Europe, uma organização global de defesa do clima, em publicação online.

"As energias renováveis superam consistentemente a nuclear em termos de custo e velocidade de implantação e, portanto, são escolhidas em vez da energia nuclear na maioria dos países", consta do Relatório de Status da Indústria Nuclear Mundial de 2024 (WNISR), que considera "irrealistas" os planos de aumentar a capacidade nuclear.

Reatores modulares pequenos são alternativa mais segura?

Nos Estados Unidos, a Amazon e a Google planejam comprar energia de pequenos reatores modulares (SMRs), que funcionam como usinas nucleares avançadas com capacidade inferior a 300 megawatts, cerca de um terço de uma usina nuclear padrão.

As gigantes da tecnologia afirmam que a energia nuclear ajudará a suprir as necessidades energéticas da inteligência artificial e dos centros de dados. Atualmente, essas tecnologias consomem entre 1% e 3% do suprimento mundial de energia – parcela que alguns analistas contam dobrar até 2030.

Os centros de dados precisam de "uma abundância de energia que seja livre de carbono e confiável a cada hora do dia, e as usinas nucleares são as únicas fontes que podem cumprir essa promessa de forma consistente", disse em setembro Joe Dominguez, diretor executivo da Constellation Energy nos EUA, ao anunciar um acordo de fornecimento de energia nuclear de 20 anos com a Microsoft.

Os defensores afirmam que os SMRs serão mais seguros e mais baratos, e sua integração à rede mais rápida do que os reatores tradicionais, podendo ser construídos nos locais de antigas usinas de combustíveis fósseis. As parcerias da Amazon e da Google nos EUA para a implementação da tecnologia devem estar operacionais no início da década de 2030.

Ambientalistas: "promessas vazias"

Mas a Climate Action Network rebate o que classifica de "promessas vazias" dos SMRs, pois "a tecnologia ainda não foi testada em escala comercial". Em nível global, apenas dois projetos de SMR foram construídos até o momento, cada um com reatores de diferentes padrões russos e chineses. Eles foram conectados à rede em 2019 e 2021, respectivamente.

O relatório WNISR 2024, financiado em parte pelo Ministério do Meio Ambiente da Alemanha, apontou que ambos os projetos sofreram atrasos significativos na construção, levando duas ou três vezes mais tempo para ser construídos do que o planejado. Eles também ultrapassaram o orçamento e, até o momento, não tiveram bom desempenho na geração de energia.

Segundo o setor nuclear, no entanto, os atrasos não foram surpresa, pois os primeiros SMRs construídos na Rússia e na China eram projetos-piloto. Os futuros, agora em fase de planejamento, poderiam "entrar em operação mais rapidamente", disse Preston, da Associação Nuclear Mundial.

Mas Mycle Schneider, analista independente de políticas nucleares e editora do WNISR, lembra que isso só seria possível com a "reprodução de unidades idênticas ou praticamente idênticas", e não com SMRs de padrões diversos, como acontece na Rússia e na China.

Schneider entende que o rápido aumento da produção de painéis solares, baterias conectadas à rede e turbinas eólicas, com dezenas de milhares de unidades construídas a cada ano, representa uma "fabricação verdadeiramente modular", permitindo que esses setores inovem e reduzam rapidamente os custos: "O setor nuclear aprendeu com os projetos pilotos de SMR na China e na Rússia que ninguém quer reproduzi-los, e não há tentativas de licenciá-los em nenhum país ocidental."

Usina nuclear na China
China investe em aumentar seu parque de usinas nucleares, como esta em ZhangzhouFoto: Lin Shanchuan/Xinhua/IMAGO

É preciso energia nuclear para atingir as metas climáticas?

Na conferência climática COP28, de 2023, em Dubai, a energia nuclear foi listada pela primeira vez entre as tecnologias de baixa emissão necessárias para alcançar as "reduções profundas, rápidas e sustentadas nas emissões de gases-estufa".

O relatório de 2022 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU também mencionou a energia nuclear, dizendo que era "improvável que todos os sistemas de energia de baixo carbono em todo o mundo dependam inteiramente de fontes de energia renováveis".

Embora admitam que a energia eólica e a solar devam desempenhar um papel importante no esforço para substituir os combustíveis fósseis, os especialistas em energia costumam ressaltar a falta de confiabilidade da energia renovável que depende da disponibilidade do sol e do vento.

Desde a COP28, 31 países – entre eles protagonistas nucleares como França, Reino Unido, Estados Unidos e Japão – se comprometeram a triplicar sua capacidade dessa energia até 2050. Estados não nucleares, como El Salvador, Jamaica, Moldávia e Mongólia, fizeram o mesmo.

No entanto, o WNISR 2024 é cético em relação a essa promessa. Listando uma série de possíveis obstáculos, incluindo altos custos, tempo de construção e falta de capacidade industrial, o cálculo é que seriam necessários mais de mil novos reatores para triplicar a capacidade instalada atual.