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PolíticaArgentina

Por que Milei não vai participar da cúpula do Mercosul?

3 de julho de 2024

Presidente argentino trocou cúpula do Mercosul pela Conferência de Ação Política Conservadora, onde encontrará Bolsonaro. Postura arrisca causar sérios danos à própria Argentina, alertam especialistas.

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Vestino terno e gravata e a faixa presidencial, o presidente argentino Javier Milei leva a mão à testa
O presidente argentino Javier Milei (foto de arquivo)Foto: Str/AFP/Getty Images

A decisão inédita de Javier Milei de não participar da cúpula dos chefes de Estado do Mercosul volta a colocar em evidência as relações internacionais do presidente argentino – tema recorrente desde o início de seu mandato. 

O encontro do Mercosul vai acontecer em Assunção, no Paraguai, no dia 8 de julho. Milei enviará a ministra argentina das Relações Exteriores, Diana Mondino, enquanto ele vai para Balneário Camboriú, em Santa Catarina, para participar da Conferência de Ação Política Conservadora. Nesse evento, a ser realizado nos dias 6 e 7 de julho, Milei se encontrará com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

"Isso tem a ver com a confusão de Milei de ver tudo através de lentes ideológicas e não entender que ele é o presidente de uma República, que existem certas tradições diplomáticas e protocolos que não podem ser ignorados”, diz à DW Victoria Álvarez, professora de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Nacional de Rosário, na Argentina. 

Desavenças de longa data

Além das diferenças ideológicas, as divergências entre Lula e Milei remontam à visita do petista aos Estados Unidos em setembro de 2023 – dois meses antes das eleições presidenciais na Argentina. Na ocasião, Lula disse a Joe Biden que a democracia argentina corria perigo, fazendo uma referência ao então candidato Milei. 

Antes, em janeiro de 2023, apoiadores de Bolsonaro invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal em Brasília.

Lula vê uma semelhança política entre Milei e Bolsonaro, e fato é que os dois têm uma relação próxima – o que explica a presença do argentino na Conferência de Ação Política Conservadora. 

No passado, Milei também não perdeu a oportunidade de chamar Lula de "corrupto" e "comunista".

A relação entre eles não melhorou durante a cúpula do G7, em junho: "Lula e Milei nem sequer se cumprimentaram nesse encontro e estavam sentados na mesma mesa. Isso pode causar sérios danos à própria Argentina", alerta Günther Maihold, especialista em América Latina da Fundação Ciência e Política (SWP, na sigla em alemão), com sede em Berlim.

Ausência "coerente"

"Para Milei, é importante manter a sua posição ideológica 'limpa', sem se encontrar com Lula e mantendo-se à distância de acontecimentos e tratados que lhe pareçam um obstáculo ao livre comércio. Nesse sentido, é coerente que ele não queira participar da cúpula do Mercosul", analisa Maihold.

Por outro lado, o especialista em América Latina recorda que, durante a recente visita de Milei à Alemanha, o presidente argentino fez um acordo com o chanceler Olaf Scholz para avançar na conclusão do acordo Mercosul-União Europeia.

Durante a campanha eleitoral, Milei afirmou que queria dissolver o Mercosul – o que, na visão de Maihold, teria custos muito elevados para a Argentina. "O Brasil recebe 25% das exportações argentinas e há também 300 mil argentinos vivendo nos países do bloco", pontua.

"Milei está deteriorando uma relação comercial e politicamente estratégica de décadas", acrescenta Carola Lustig, especialista em relações internacionais e integração regional sul-americana e professora em três universidades argentinas.

"Mercosul virou campo de batalha ideológico"

A tensão entre Brasil e Argentina foi recentemente agravada pelo apoio de Lula ao presidente boliviano, Luis Arce, depois de Milei ter questionado a autenticidade da tentativa de golpe de Estado na Bolívia – país que participará da cúpula do Mercosul em Assunção.

Além disso, a Argentina concedeu asilo político a 86 presos acusados de envolvimento nos atos golpistas de janeiro de 2023.

"O Mercosul se tornou um campo de batalha ideológico depois que os bolsonaristas procuraram refúgio na Argentina. Milei deveria aceitar a realidade política: a partir do momento em que existe um pedido de extradição, o Estado argentino tem que processá-lo e não pode ser fiel às ideologias de seu presidente", afirma Maihold, da SWP.

"A ausência de Milei na cúpula do Mercosul abre um precedente ruim", alerta Álvarez, da Universidade Nacional de Rosário. "Tem relação com a excessiva ideologização de sua política externa", insiste. "O Mercosul precisa mostrar sua foto de família duas vezes por ano, como sempre aconteceu, independentemente das diferenças ideológicas. O viés ideológico de Milei não permite isso, o que é prejudicial para a política externa argentina e para o Mercosul."