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As tempestades que ameaçam as automobilísticas europeias

Thomas Kohlmann
17 de setembro de 2024

Enquanto Volkswagen e outras do setor cogitam fechar fábricas e operam com capacidade reduzida, concorrentes chinesas querem produzir na Europa. Política eletromobilidade pode ter sido tiro no pé, diz economista.

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Logo da Volkswagen sobre um edifício com nuvens escuras ao fundo
Volkswagen e outras empresas produzem mais carros do que são capazes de vender Foto: Daniel Kalker/picture alliance

As coisas não andam bem para a indústria automobilística europeia. As vendas de automóveis estão abaixo do esperado e uma grande quantidade de veículos elétricos ainda aguarda compradores. Não é apenas a Volkswagen que avalia fechar algumas fábricas; a Fiat, que pertence ao grupo Stellantis, e a Renault também produzem mais carros do têm conseguido vender. 

Segundo uma pesquisa da Bloomberg Intelligence, uma em cada três fábricas de empresas como BMW, Mercedes, Stellantis, Renault e Volkswagen não opera em capacidade total. Em algumas unidades, nem mesmo a metade dos veículos que poderiam sair das linhas de produção estão sendo fabricados.

A situação é particularmente grave na unidade Mirafiori do grupo Stellantis, em Turim, onde são fabricados os modelos elétricos do Fiat 500. Ali, a produção foi reduzida em mais de 60% na primeira metade de 2024. Na Bélgica, até a fábrica da Audi que produz os modelos de alto custo Q8 e-tron estaria ameaçada, segundo rumores.

Fenômeno europeu

As dificuldades com as vendas pressionam também a unidade da Renault em Douai, no norte da França, e da Volkswagen em Dresden. Os carros elétricos produzidos nos dois locais mal encontram compradores no mercado, o que gera perdas aos fabricantes.

"Estamos em meio a uma mudança estrutural", afirma à DW o economista-chefe do banco ING, Carsten Brzeski. Isso, segundo disse, se aplica não apenas à Volkswagen, mas à indústria automobilística como um todo. "Vemos, naturalmente, que a tendência internacional rumo a mais eletromobilidade também gera mais competição."

A pressão sobre o setor automobilístico europeu, particularmente a partir da China, está aumentando. Apesar das tarifas punitivas que a União Europeia (UE) impôs aos veículos elétricos chineses, os fabricantes da República Popular estão determinados em ocupar um lugar permanente no mercado europeu.

Além da Lynk & Co, da empresa Geely, as marcas chinesas Great Wall Motor e BYD também querem no futuro produzir veículos elétricos em fábricas na Europa.

Fracasso das automobilísticas europeias?

Mas, por que as empresas europeias enfrentam tantas dificuldades na transição para a eletromobilidade? Teriam os administradores, ao contrário de seus colegas chineses, simplesmente desperdiçado as oportunidades e ficado para trás?

O setor vem lidando com vários problemas ao mesmo tempo, explica Brzeski. Na indústria automobilística, as dificuldades surgem em conjunto, como o fortalecimento dos concorrentes estrangeiros e a menor competitividade dos europeus.

Hans-Werner Sinn, presidente do Instituto para Pesquisa Econômica (Ifo), em Munique, não atribui isso a falhas administrativas. "Não se pode dizer que alguém tenha perdido a tendência de mercado – seja a Volkswagen, por exemplo, ou as demais. Ao contrário: elas fracassaram em reconhecer – talvez isso tenha sido de fato uma falha – a rapidez e o modo impositivo com que os políticos na China e na Europa vêm agindo", analisa.

Sinn afirma que o chamado Acordo Verde Europeu, a proibição dos veículos movidos a combustão na UE a partir de 2035, além dos limites cada vez mais rígidos de emissões para as frotas, se sobrepuseram radicalmente em um curto espaço de tempo às leis de mercado. O setor foi direcionado rumo a uma transformação politicamente motivada, e sairá perdendo se não houver uma correção de curso, argumenta.

Após o escândalo "Dieselgate" – o esquema de manipulação dos testes de emissões dos motores a diesel na Volkswagen –, os motores a combustão se tornaram alvo de extrema pressão e a indústria foi colocada na defensiva. 

Sinn diz que, na China e na França, o impulso à produção de veículos elétricos foi visto inicialmente como uma oportunidade para romper o domínio tecnológico das automobilísticas alemãs em relação aos motores a combustão.

Mas essa visão mudou em países como França e Itália quando as pessoas se deram conta de que são principalmente os chineses que se beneficiam dessa mudança radical rumo à eletromobilidade, afirma Sinn.

E houve certa confusão na política, pondera Brzeski: "O que será dos motores a combustão? Continuarão ou não? Serão banidos? Serão permitidos por mais um tempo ou não?" Ele cita como "particularmente infeliz" a decisão repentina do governo alemão de abolir no final de 2023 o bônus aos compradores de veículos elétricos. Não é de se admirar, afirma, que os pátios das empresas estejam repletos desse veículos.

Economista vê prosperidade econômica da Europa ameaçada

Para Brzesk, não há dúvidas de que um declínio da indústria automobilística na Alemanha e na Europa deverá ameaçar a prosperidade econômica. Apenas na Alemanha, o setor – juntamente com seus fornecedores, revendedores e todas as empresas que dependem indiretamente das automobilísticas – representa entre 7% e 8% da produção econômica do país.

Mas como garantir o máximo possível de empregos bem pagos na indústria e preservar a prosperidade que cerca as regiões onde essas fábricas estão instaladas?

O economista Sinn defende a criação de um "clube do clima" que incluiria os maiores emissores de CO2 do planeta, algo que já foi proposto pelo chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz. Dessa forma, todos os grandes emissores, como Brasil, China, Índia, Estados Unidos e a UE, teriam de limitar a produção e o uso de combustíveis fósseis.

Trabalhadores no alto de um edifício ao lado de logo da Stellantis
Stellantis também pisa no freio e suspede produção do Fiat 500e em razão de uma forte queda na demandaFoto: Massimo Pinca/REUTERS

Sinn acredita que e a ideia, proposta pelo vencedor do Nobel de Economia William Nordhaus, poderia de fato ajudar na proteção ao clima. Qualquer outra alternativa seria uma "politica de planejamento central tenebrosa que não tem lugar numa economia de mercado". 

Para ele, planos europeus como o Acordo Verde ou a taxonomia, que classifica toda uma economia segundo critérios de proteção do clima e do meio ambiente, podem até ser bem-intencionados, mas acabariam por ceifar a prosperidade econômica ao se sobrepujarem às leis de mercado – uma "perspectiva horripilante". "É assim que se consegue arruinar uma economia. Só posso recomendar urgentemente um giro de 180º."

Ele, porém, avalia que uma transformação já está em curso. "Pudemos ver nos últimos anos a revolta da população em relação a esses temas, o que é agora intensificado pela situação na Volkswagen. Isso se reflete nos resultados eleitorais que vemos atualmente."

Políticos e sindicatos sob pressão

Diferentemente de Sinn, o especialista no setor automobilístico Frank Schwope, da Escola Politécnica de Hanôver, não soa tão preocupado.

"A verdade é que a Volkswagen vem obtendo ganhos bastante significativos", observou, mencionando o lucro recorde de 22,6 bilhões de euros (R$ 138,5 bilhões) em 2023, além do lucro operacional de 20 bilhões de euros estimado para 2024. A crise, assim sendo, ainda não está presente, embora possa estar à espreita, afirmou em entrevista à emissora NDR.

Para Schwope, o quadro administrativo da Volkswagen construiu um cenário ameaçador a fim de brecar demandas salariais e pressionar por novos subsídios aos carros elétricos.

Enquanto isso, a Stellantis também está pisando no freio. Na fábrica de Turim, a produção do Fiat 500e foi suspensa por um mês em razão de uma forte queda na demanda.

Sinn insiste: "A Volkswagen é só uma vítima precoce. Haverão outras."