Museu Judaico
18 de setembro de 2011A artista Maria Thereza Alves, que nasceu no Brasil, cresceu em Nova York e hoje passa boa parte do seu tempo em Berlim, coletou na capital alemã porções de terra das beiradas das ruas, de terrenos baldios e obras em construção. A seguir, ela plantou as sementes que encontrou. O resultado é um pequeno e belo jardim, que ornamenta a entrada da exposição Heimatkunde e remete à constatação de que plantas estranhas ao ambiente adaptam-se ao meio tão bem quanto as pessoas provenientes de outros países.
Alemanha modificada
Segundo Cilly Kugelmann, vice-diretora do Museu Judaico de Berlim, a ideia da exposição foi a de observar a Alemanha de hoje, um país que mudou em consequência da derrocada da União Soviética, da reunificação das antigas Alemanhas Oriental e Ocidental e do fato de que 20% dos habitantes do país hoje têm o que se chama de "histórico de migração".
Atualmente, vivem praticamente quatro milhões de muçulmanos na Alemanha, a maioria deles turcos, embora haja também pessoas provenientes de outros países islâmicos. Isso sem mencionar todo o contigente de imigrantes de diversas outras origens. Parte destas pessoas possui a cidadania alemã, outra não. É uma sociedade que não pode mais, de forma alguma, ser definida como "etnicamente homogênea", diz Cilly Kugelmann.
A mostra no Museu Judaico procura, atravé da arte, detectar como os estrangeiros – sejam eles judeus, muçulmanos, cristãos ou ateus – vivem na Alemanha, como eles se posicionam dentro da sociedade e de que forma a migração, tanto dos estrangeiros quanto dos próprios alemães dentro do país, modifica as pessoas.
Maziar Moradi, nascido no Irã, por exemplo, intitulou uma série de fotografias Ich werde deutsch (Vou me tornar alemão), na qual ele encena momentos-chave da vida de determinadas pessoas que migraram para a Alemanha ou que, de alguma forma, possuem raízes em outras culturas. São elas uma mulher em um quarto de hotel, um médico na mesa de operações, uma mulher negra em meio a um amontoado de bonecas brancas, entre outros.
Carregando as próprias raízes
Moradi apresenta seus protagonistas como heróis. Ele conheceu essas pessoas nas ruas de Hamburgo. São homens e mulheres, que já passaram por humilhações em suas trajetórias, permeadas por momentos difíceis. Por fim, chegaram à Alemanha e contribuem para mudanças bem-vindas na sociedade, enquanto suas próprias personalidades também vão mudando paralelamente.
Já Azra Aksamija, artista bósnia, apresenta em Dirndlmoschee a roupa típica do sul da Alemanha (Dirndl), com uma variação: o avental se transforma em um tapete típico das mesquitas. Com isso, Aksamija chama atenção para o fato de que a pessoa carrega consigo sua religião, não importa o quanto ela se aproxime de uma outra cultura. No entanto, ao mesmo tempo, a proximidade da outra cultura faz com que a própria religião vá aos poucos se modificando.
Os 30 artistas convidados, que vivem ou já viveram na Alemanha, fazem seus estudos sobre o país partindo de perspectivas absolutamente distintas e usando formas as mais diversas. Eles contam histórias de famílias, questionam a herança do nazismo e do assassinato em massa no país e criam utopias notáveis, como por exemplo a ideia do Medinat Weimar, um novo Estado judeu a ser criado no estado alemão da Turíngia.
Vários dos artistas olham com humor e ironia para aquilo que é comumente considerado típico alemão, como mitos, fábulas e florestas. É para lá que Julian Rosefeldt leva o observador, através de uma montagem de filmes e imagens de florestas. Em uma "viagem" inusitada, ele disseca, com prazer, virtudes tidas como alemãs, como o senso de ordem, o pedantismo e a diligência.
Rosefeldt diz que desmascara um pouco o mito. Por outro lado, fala o artista, não se trata de um trabalho "que tem algo concreto a dizer, mas que descreve mundos distintos reunidos em uma nova colagem absurda". O que é absolutamente divertido e desperta questões como, por exemplo, se a característica de "quadrado", tida como típica dos alemães, estaria aliada à densidade das florestas do país. E são exatamente essa leveza e esse prazer em refletir sobre o sentido dúbio das coisas que torna a exposição tão interessante.
Cilly Kugelmann, a vice-diretora do Museu Judaico de Berlim, usou durante a inauguração da mostra para a imprensa um cachecol com as cores da bandeira alemã, mostrando que os curadores da exposição transpuseram literalmente a seriedade germânica. A "marca Alemanha" passou a poder ser exposta sem pudores no mais tardar depois da Copa do Mundo de 2006, sendo hoje estampada tanto no Museu Judaico, quanto em cachecóis e ponchos nas cores da bandeira do país.
Autora: Silke Bartlick (sv)
Revisão: Carlos Albuquerque