'Sinfonia' de Bonn
5 de setembro de 2010A bicicleta é o meio de locomoção preferido de Sam Auinger em Bonn. Assim, a entrevista com ele inclui inevitavelmente uma pequena excursão sobre duas rodas. Partindo da sede da Deutsche Welle, subindo o Rio Reno em direção ao sul, em alguns minutos o compositor e klangkünstler (artista acústico) está em condições de mostrar como explora os espaços sonoros.
O local é a Südbrücke, a ponte ao sul da cidade. Auinger desce de seu veículo, se posiciona sob o enorme arco de concreto, bate palmas e brada alto: "Huhuuu!". Segue-se um eco longo e fragmentado, o som se multiplica: é um shatter echo, explica o artista. Pouco depois um bonde chacoalha por cima de nossas cabeças e o som se transforma num ribombo poderoso.
Som das cidades do mundo
O artista, nascido em Linz, na Áustria, está envolvido em projetos de pesquisa de espaços acústicos urbanos por todo o mundo. Ele examinou a malha sonora de Los Angeles e Nova York, Roma e Roterdã, mas também de Berlim, onde reside, Dresden e Düsseldorf. Em cada cidade, o resultado final foi uma obra de arte nascida dos sons urbanos no espaço. Isso é o que ele planeja também fazer na ex-capital alemã às margens do rio Reno.
Auinger já se encontra há alguns meses em Bonn, onde estuda a história da cidade e de suas construções, sua arquitetura e topografia. Para registrar e transformar os ruídos ambientais, ele utiliza uma pequena parafernália técnica móvel, composta por tubo de ressonância, filtros e computador.
O compositor prefere não revelar que tipo de obra planeja. Talvez um mapa com sítios auriculares interessantes, um livro sobre os sons de Bonn ou algo totalmente diverso. Para ele que, desde jovem, treinou sistematicamente a audição, escutar é como refletir sobre o (meio) ambiente.
Espaços iPod
"Eu era uma criança barulhenta", recorda Sam Auinger. Crescido na província austríaca, ele tocou em bandas jovens e estudou no Conservatório de Salzburgo. A certa altura, decidiu romper de vez com a atividade musical tradicional. Desde então, cruza o mundo para descobrir, transformar e compor sons, e para comunicar às outras pessoas o prazer de ouvir.
"Da mesma maneira como um marceneiro deve entender a madeira, um compositor deve entender o som. O que me interessa incrivelmente é como nossos espaços vitais funcionam do ponto de vista acústico".
Muitas pessoas perderam a conexão com os espaços auditivos que as rodeiam. Elas criam seus próprios espaços com o auxílio de iPods e fones de ouvido, aponta ele, e apela para que essas pessoas voltem a perceber mais conscientemente o meio ambiente acústico. Devemos abandonar aquilo ao que estamos habituados, temos que ludibriar nosso "gene do comodismo", formula o austríaco.
Pois, segundo ele, "o ponto realmente crítico é que os sentidos ou são treinados ou se atrofiam, quer através de nossas circunstâncias de vida, quer através da própria atuação cultural. Se o ano inteiro só como batata frita com hambúrguer, não devo me espantar que outros sabores não me deem prazer; pois simplesmente não eduquei meus órgãos sensoriais para tal."
Dados e fatos
O Rheinauen Park é um dos locais preferidos de Auinger. Aqui se pode vivenciar toda a diversidade de um espaço acústico urbano: o zumbido do cortador de grama, o ruído ácido de uma máquina de amolar à distância, fragmentos de conversas dos pedestres, os motores pulsantes das barcaças sobre o rio.
E, na outra margem, os trens de carga. Auinger contou: 200 deles passam aqui diariamente, um a cada sete minutos, formando um "véu de ruídos" sobre o Reno. Ele estudou detalhadamente os dados e fatos de Bonn, conhece os pecados urbanísticos e os marcos de feiura arquitetônica. Mas também reconhece e aprecia as qualidades da cidade. "Por mais que haja poluição acústica, ela acaba passando. Aqui nunca se está na 'compressão sonora' total."
Cortesia acústica
Por vezes, ao explicar decibéis e frequências, o artista lembra antes um físico. Medindo e calculando espaços, mais parece um arquiteto; ou, ao falar sobre o clima e o tempo, um meteorologista. Porém o som sempre está no centro, e Sam Auinger deseja que as pessoas voltem a ser ouvintes atentos. O que não é fácil, no contexto das tendências sonoras atuais.
Quer se trate de motos aquáticas sobre o Reno, ou do blablablá alto ao celular dentro do trem, fontes de ruídos são muitas vezes percebidas como poluição. "Vamos viver em centros de concentração demográfica cada vez maiores. E, mais cedo ou mais tarde, precisaremos nos perguntar se não é necessário desenvolver algo assim como uma 'cortesia acústica'".
Auinger se refere com frequência aos sons muito extremos como "risco corporal". Mas, é claro, há também outras, fantásticas, vivências acústicas. "Acho que para mim não existe som mais lindo do que uma chuva fina numa floresta de pinheiros. É pura poesia."
Autoria: Cornelia Rabitz / Augusto Valente
Revisão: Soraia Vilela