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Análise: O Brasil escolhe seu messias

29 de outubro de 2018

Jair Messias Bolsonaro vence a eleição presidencial. Para ele, é mais um passo em sua "missão divina". Para o país, um mergulho no desconhecido.

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Foto de presidente eleito do Brasil Jair Bolsonaro
Com Bolsonaro, país da um passo para o desconhecido, diz Thomas MilzFoto: Reuters/S. Moraes

Às 19h21 deste domingo (28/12), o Brasil entrou numa nova era. Com 55% contra 45% dos votos, Jair Messias Bolsonaro derrotou claramente o candidato do PT, Fernando Haddad, e se elegeu presidente da República.

Geralmente, em tais ocasiões, o vencedor da eleição se apresenta diante de seus apoiadores para ser celebrado e para enviar sua primeira mensagem conciliatória à nação.

Mas Bolsonaro apareceu numa transmissão ao vivo pelo Facebook. Com interrupções ocasionais de imagem, ele primeiramente citou a Bíblia para depois atacar a oposição esquerdista. Em seguida, ele e seus apoiadores rezaram juntos diante das câmeras.

Bolsonaro agradeceu a Deus e a seus médicos pelo recuperação após o ataque a faca no início de setembro. "Agora", disse o presidente eleito, ele pode dar prosseguimento à sua "missão divina". Enquanto isso, seus grupos de apoiadores no WhatsApp mostravam vídeos em que a vitória do "messias" era celebrada.

São novos tempos. O fato de um deputado pouco prolífico, que só conseguia se destacar com insultos a minorias e a colegas parlamentares, tornar-se repentinamente presidente se deve principalmente ao estado catastrófico do Brasil, depois de anos de crise econômica, gigantescos escândalos de corrupção e violência fora de controle.

"Eu acho que Bolsonaro conseguiu uma vitória baseada essencialmente na decepção da população brasileira, ou de uma parte importante dela, com a politica", afirmou o cientista político Marco Aurélio Nogueira. "A campanha dele foi o tempo todo hostilizando a classe política e tentando aparecer para o eleitorado como uma opção não política."

E também à margem do Estado de Direito? Em seus 30 anos de carreira política, o militar reformado glorificou as atrocidades da ditadura militar, dizendo que mais oposicionistas deveriam ter sido mortos em vez de apenas torturados. Na noite de domingo, ele prometeu defender a liberdade, a democracia e a Constituição.

"Isso é um juramento a Deus", afirmou o presidente eleito em pronunciamento à imprensa, mas o tom bélico estava presente após a vitória. "Não poderíamos mais continuar flertando com o socialismo, o comunismo, o populismo e o extremismo de esquerda", disse em outro discurso, transmitido ao vivo pela internet.

"Catastrófico, como todo mundo esperava", analisou o filósofo Vladimir Safatle, em declarações ao UOL. "Eu diria que, bem, esse é o senhor Jair Bolsonaro. Ele deixa muito claro que não haverá essa ideia de que ele vai moderar um pouco a sua posição por estar herdando um país completamente dividido."

A campanha eleitoral singularmente suja foi marcada pelo amplo uso de redes sociais, em especial o WhatsApp, através das quais espalharam-se boatos, calúnias e fake news. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, a liderança, com 40 milhões de cliques no YouTube, coube a notícias falsas espalhadas pela ala de Bolsonaro sobre urnas manipuladas.

No Facebook, fake news sobre o chamado de "kit gay", supostamente distribuído por Haddad para crianças, alcançaram 3 milhões de interações. A acusação de que o candidato do PT queria legalizar a pedofilia teve 200 mil cliques.

De qualquer forma, a experiência das eleições de 2018 pode servir de lição, analisou o sociólogo Marco Aurélio Ruediger, diretor do Dapp, centro de análise de dados da Fundação Getúlio Vargas.

Com vista às próximas eleições, ele aconselha seguir a trilha do dinheiro para rastrear os produtores de notícias falsas. "Além disso, você deve criar redes em universidades e institutos de pesquisa que mostrem às pessoas de forma transparente o que é mentira e o que não é."

Para Nogueira, as notícias falsas não decidiram a eleição presidencial. "Mais importante do que centro geradores de boatos e de fake news foi a disposição de muitos eleitores de fazer a disseminação."

Porém, ainda mais significativo, segundo ele, foi o grave erro estratégico cometido pelo PT, de "engessar" Haddad no primeiro turno, deixando-o muito dependente de Lula. "Com isso, ele não atraiu o apoio que poderia ter tido", avaliou o cientista político.

Segundo Nogueira, após o primeiro turno, Haddad contava com uma grande frente democrática contra Bolsonaro, mas isso não aconteceu devido à grande rejeição a Lula entre outros líderes da esquerda. "O PT deveria ter apostado desde o início em Haddad", disse Nogueira.

"A reta final mostrou um Haddad muito mais disposto a fazer campanha e muito mais confiante. Na medida em que ele foi abandonando a relação de dependência com o Lula, por exemplo, ele se sentiu mais à vontade para fazer uma campanha com o próprio perfil", apontou Nogueira.

Com a derrota do campo progressista, o Brasil se encontra agora numa encruzilhada. Sob o PT, o país tornou-se pioneiro nos direitos das minorias no Hemisfério Sul. Já Bolsonaro é contra o aborto e contra direitos para as minorias, como cotas universitárias para negros e pobres.

Para o ex-capitão, escolas e universidades devem ser libertadas de "ideologias". Já houve uma antecipação disso nos dias anteriores à eleição, quando a polícia censurou palestras e eventos em várias universidades. No entanto, o STF reagiu rapidamente e proibiu as ações policiais.

Bolsonaro pode atuar como mediador nesse clima? "Acho que ele não está preparado como pessoa", disse Nogueira. "Mas a expectativa é que sua equipe consiga controlá-lo e dar-lhe uma qualidade mínima de estadista, que ele não tem", avaliou o cientista político. "Porque, se isso não acontecer, provavelmente daqui a uns meses teremos o governo Bolsonaro mergulhando numa crise."

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