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Alexandre de Moraes: o que indicam as mensagens vazadas

14 de agosto de 2024

Segundo jornal, assessores do ministro do STF teriam atuado fora do rito formal para solicitar que TSE produzisse e ajustasse relatórios sobre investigados nos inquéritos das fake news e das milícias digitais.

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, veste terno escuro, camisa clara, e olha para o lado com semblante sério.
Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal FederalFoto: SERGIO LIMA/AFP

Uma reportagem publicada nesta terça-feira (13/08) pelo jornal Folha de S.Paulo aponta que assessores do gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes fizeram pedidos fora do rito formal para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) produzisse relatórios sobre bolsonaristas investigados nos inquéritos das fake news e das milícias digitais. As mensagens teriam sido trocadas entre agosto de 2022 e maio de 2023 — período em que Moraes também era presidente do TSE.

O jornal afirma que teve acesso a diálogos no aplicativo WhatsApp que mostrariam que a assessoria de combate à desinformação do TSE foi utilizada como um braço investigativo do gabinete do ministro e que em alguns casos os alvos de investigação eram escolhidos por Moraes ou por seu juiz assessor. O jornal sustenta ainda que relatórios teriam sido ajustados quando não satisfaziam Moraes, fazendo com que fosse produzido, desta forma, texto pré-determinado para embasar sentenças, a exemplo de multa ou bloqueio de contas em redes sociais.

Segundo a Folha, participaram da troca de mensagens o juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, Airton Vieira; o juiz auxiliar de Moraes enquanto ele presidia o TSE, Marco Antônio Vargas; e o perito criminal e, na época, então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE, Eduardo Tagliaferro. A AEED era subordinada a Moraes na corte eleitoral.

O jornal disse que teve acesso a mais de 6 gigabytes de arquivos e mensagens, com algumas delas relatando a irritação de Moraes devido à demora no atendimento das ordens.

Os dados, segundo o jornal, também mostram que Airton Vieira pedia relatórios ao TSE principalmente contra aliados de Jair Bolsonaro (PL), e esses documentos eram mandados da Justiça Eleitoral para o inquérito das fake news, no STF.

O jornal diz que não obteve o material por meio da atuação de hackers ou interceptação ilegal. A reportagem é assinada pelos jornalistas Fabio Serapião e Glenn Greenwald - este último, que atuou na Vaza Jato, também é um crítico da atuação de Moraes  e chegou a afirmar que o STF era "a maior ameaça à democracia brasileira" um dia depois do ataque protagonizado por bolsonaristas aos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Envolvidos no caso

De acordo com a reportagem, o maior número de mensagens contendo pedidos informais envolveu Vieira, que é o assessor mais próximo de Moraes no STF, e Tagliaferro, que deixou o cargo em 2023 depois de ter sido preso, suspeito de violência doméstica contra a esposa, em Caieiras, em São Paulo.

Em algumas trocas de mensagens citadas pela Folha, há menções sobre políticos, simpatizantes ou mesmo mídias de direita no Brasil, a exemplo do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o comentarista bolsonarista Rodrigo Constantino e a revista Oeste.

Em 6 de dezembro de 2022, segundo a Folha, Vieira escreveu a Tagliaferro pedindo para rever uma medida já determinada em relação à revista. Tagliaferro, porém, respondeu dizendo que não estranhou as publicações do veículo e questionou o que poderia colocar no relatório. "Use sua criatividade…", respondeu Vieira, segundo o jornal, ao que Tagliaferro retornou: "Vou dar um jeito."

No caso de Constantino, Moraes, segundo o jornal, pediu ajustes em relatório feito pela área de combate à desinformação no TSE. Tagliaferro (TSE) também teria mandado uma primeira versão do relatório sobre Constantino e, depois, recebeu prints de Vieira (STF) contendo postagens do jornalista e também a cobrança para mudar o documento, a fim de incluir mais manifestações: conforme o jornal, o pedido partiu do próprio Moraes.

Em novembro de 2022, diálogos entre Marco Antônio Vargas e Tagliaferro apontam um pedido para relacionar Eduardo Bolsonaro com o argentino Fernando Cerimedo, que na época entrou no radar de Moraes por insinuar em lives na internet que a eleição de 2022 havia sido fraudada porque cinco modelos de urnas em que Lula (PT) teve mais votos não foram testadas.

De acordo com a Folha, em nenhum dos casos houve formalização de que os relatórios do TSE teriam sido produzidos a pedido de Moraes ou do STF.

Moraes rebate acusações

A Folha de São Paulo entrou em contato com o gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Em um primeiro momento, Moraes não respondeu.

Mais tarde, o gabinete do ministro enviou uma nota à imprensa dizendo "que, no curso das investigações do Inq 4781 (Fake News) e do Inq 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à democracia e às instituições".

A nota diz também que "os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República.

Já Tagliaferro disse que não vai se manifestar. Ele afirmou apenas que "cumpria todas as ordens que me eram dadas e não me recordo de ter cometido qualquer ilegalidade".

Bolsonaristas pedem impeachment de ministro

A publicação da reportagem repercutiu em Brasília, onde senadores e deputados bolsonaristas saíram em defesa de uma abertura de CPI e de um pedido de impeachment de Moraes.

Filho mais velho de Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que a denúncia pode representar crime e interferência ilegal nas eleições em que o pai foi derrotado por Lula.

"Se isso for confirmado, é uma prova de interferência direta do presidente do TSE dando ordem para prejudicar um candidato, desequilibrando a disputa presidencial, algo que já suspeitávamos. Se confirmado, é uma prova de que houve essa interferência pessoal, direta, criminosa", afirmou Flávio no plenário do Senado.

Ainda que não tenha se manifestado diretamente sobre o caso, o ex-presidente Jair Bolsonaro publicou vídeos do discurso feito pelo filho.

Durante o seu governo, Jair Bolsonaro atacou constantemente os Poderes e instituições como o STF. Processos apontaram o envolvimento de vários aliados do ex-presidente na tentativa de evitar a posse de Lula após as eleições.

A insistência de que a eleição havia sido fraudada, por exemplo, culminou na invasão bolsornaista das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023.

O senador Eduardo Girão (Novo-CE) já havia escrito um novo pedido contra Moraes e disse que pretende apresentar o documento nesta quarta-feira (14/08).

Outro aliado de Bolsonaro e forte crítico de Moraes, o pastor Silas Malafaia questionou a legitimidade do ministro para seguir no STF e pediu seu afastamento.

Entre apoiadores do governo, a reportagem foi vista com reservas. Petistas que costumam se manifestar nas redes sociais se mantiveram em silêncio, a exemplo da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e do líder do partido no Senado, Jaques Wagner (BA).

O ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), por sua vez, saiu em defesa de Moraes e chamou a reportagem de "sensacionalista".

"A matéria da Folha de S.Paulo que acusa o ministro Alexandre é sensacionalista e não corresponde à verdade. A matéria só tem o efeito de alimentar o movimento de tentar desacreditar o STF para incidir no julgamento do inelegível", disse Teixeira no X, antigo Twitter.

gb (ots)