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Adeus Idade Média

Neusa Soliz11 de junho de 2003

O governo alemão vai reformar a Lei dos Ofícios e desregulamentar um setor que no século 21 ainda quer manter normas das corporções medievais. O objetivo é facilitar a abertura de firmas, no combate ao desemprego.

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Aprendiz de marcenaria na Alemanha. Setor de ofícios deverá ser liberalizadoFoto: AP

Todo estabelecimento na Alemanha em que se oferece serviços de encanadores, pintores, marceneiros, eletricistas, confeiteiros e muitos outros ofícios, deve ser chefiado por alguém que tenha o título de mestre, segundo uma lei de 1953. Suas origens, porém, remontam ao século 14, quando as corporações de ofícios passaram a defender seus interesses econômicos, reservando o mercado para os seus membros e procurando bloquear a concorrência. O idioma alemão possui até quatro extressões para designar as corporações: Gilden, Zünfte, Zechen e Innungen.

A odisséia para se tornar mestre

Para ser mestre, é preciso primeiramente ter o título de artesão ou oficial, que se obtém após três anos de teoria e prática da profissão. Depois vem um curso especial, que é pago. Ele pode durar três anos na escola noturna, ou um ano em período integral, o que impossibilita a pessoa de continuar trabalhando. Juntamente com taxas e inscrições para a prova, o artesão tem que desembolsar cerca de 7500 euros para tornar-se mestre. Sem falar que as vagas são limitadas e não é raro o aspirante esperar anos pela sua vez. Como as provas são realizadas pelos mestres que já estão no mercado, eles praticamente escolhem quem lhes pode fazer concorrência.

O ministro alemão da Economia, Wolfgang Clement, quer eliminar a obrigatoriedade do título de mestre (Meisterbrief) para se abrir uma firma especializada. No entanto, como há ofícios de grande responsabilidade, envolvendo perigo de vida se o trabalho não for realizado com absoluta perfeição, haverá exceções. Das 94 profissões de artes e ofícios registradas no país, em 29 ainda se exigirá a qualificação de mestre. Inicialmente Clement relutou em mexer na casa de marimbondo que é a Lei dos Ofícios. Mas diante do alto desemprego e dos rombos que se descobriam mensalmente nos cofres públicos, tornando urgente reformas econômicas, mudou de posição e resolveu comprar a briga.

Liberalização para dinamizar a economia

Wolfgang Clement
Ministro da Economia, Wolfgang Clement, SPD, expõe programa econômicoFoto: AP

"A Alemanha precisa de mudanças estruturais, elas são inevitáveis. O exterior espera que façamos de tudo para que nossa economia recupere a dinâmica. A Europa depende de que voltemos a ser a locomotiva do progresso. A emenda à Lei de Ofícios não vai ameaçar o setor, como alguns imaginam. Pelo contrário, garantirá o seu futuro. Não podemos exigir maior liberalização pelo mundo afora e querer nos defender dela quando chega a nossa vez", disse Clement. Seus planos, aprovados pelo gabinete em maio, ainda precisam passar pelo Parlamento.

Os dados falam uma linguagem clara: nos últimos anos, o setor vai de mal a pior. Caíram drasticamente não apenas o faturamento, como também o número de pessoas empregadas (- 19% desde 1996), o de aprendizes e as inscrições para a prova de mestre. Além do mais, principalmente nas regiões fronteiriças, profissionais estrangeiros ingressam no mercado alemão, onde não são atingidos pela obrigatoriedade do título de mestre para abrir uma firma.

Alemães discriminados no próprio país

É que as diretrizes da União Européia permitem que eletricistas ou pintores estrangeiros sem certificado de mestre abram suas próprias empresas ou lojas na Alemanha. Os alemães e estrangeiros residentes no país, que exercem um ofício, são portanto vítimas de uma "discriminação interna", que a lei procurará corrigir pelo menos em parte. Assim, também contribuirá para a diminuição do trabalho ilegal, isto é, informal, sem desconto de impostos e contribuições sociais.

Mesmo nas profissões consideradas "de risco", um oficial poderá abrir sua própria firma se tiver pelo menos 10 anos de experiência, cinco dos quais em posição de liderança e responsabilidade. O ministro da Economia espera que a nova lei propicie a criação de novas empresas que gerem empregos e formem novos profissionais.

As vagas para aprendizes no setor de ofícios diminuíram consideravelmente nos últimos anos. A reforma da Lei de Ofícios também dará impulso a outros mecanismos da política ocupacional, como a "Eu-Sociedade Anônima", um programa de incentivo para que desempregados se transformem em autônomos. Muitos dos que gostariam de ter seu próprio negócio trabalham justamente na área de ofícios.

Zimmermann Demonstration
Manifestação dos ofícios em Berlim contra a reforma. Estes carpinteiros usam o tradicional uniforme dos artesãos que, na Idade Média, após concluir a formação, andavam de um lugar ao outro para colher experiências. As tradições continuam vivas no setor.Foto: AP

A resistência não se fez esperar: protestos veementes da Associação Central de Artes e Ofícios, que vê no título de mestre um "selo de qualidade" e teme a concorrência de um "proletariado de autônomos". Críticas também da União Democrata Cristã, maior partido de oposição, que arvorou-se como defensora do atual sistema, pensando na sua clientela eleitoral. Até que o próprio vice-líder da bancada do partido no Parlamento, Friedrich Merz, admitiu, nesta segunda-feira (10), o erro da CDU em opor-se a uma reforma da lei.

A Federação de Jovens Empresários apoiou a reforma e criticou a oposição, enquanto o ministro Clement deu a entender que as mudanças não vão parar por aí: agora estão na sua mira os arquitetos, engenheiros e advogados, cuja remuneração ainda é fixada por lei.