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Zambézia: ONG processa governador e filha por nepotismo

24 de setembro de 2024

ONG Cidadãos de Moçambique avança com um processo-crime contra o governador da Zambézia e a sua filha por nepotismo, peculato e fraude na compra de uma embarcação com fundos públicos, que nunca foi entregue à população.

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Embarcação de 10 milhões nunca entregue
Barco encomendado para Inhassunge permanece ausente, enquanto 10 milhões desaparecem em contratos suspeitosFoto: privat

A ONG Cidadãos de Moçambique processa o governador da província da Zambézia e a sua filha e também o cidadão Ossemane Cacá. Pio Matos e Marla Matos são acusados de nepotismo, peculato e fraude. A questão envolve a compra de uma embarcação, que deveria fazer a ligação entre Quelimane e Inhassunge. Esta deveria ser adquirida com fundos públicos através de uma empresa pertencente à filha do governador Pio Matos. Além disso, há acusações de adjudicações ilegais e uso indevido desses fundos.

A atribuição do negócio para a aquisição do barco à empresa de Marla Matos, a OK Corporation, foi feita sem concurso público, o que levou a acusações de favorecimento familiar. O barco, que deveria ter sido entregue em 2022, nunca chegou ao seu destino e há suspeitas de desvio dos fundos atribuídos.

Desde que o caso veio à tona, nem Pio Matos nem Marla Matos se pronunciaram sobre as acusações. A DW tentou, sem sucesso, obter um comentário sobre este tema. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já ouviu os envolvidos, mas a ONG Cidadãos de Moçambique também decidiu agir na Justiça. 

Em entrevista à DW, Zito Rosário, membro da ONG, sublinhou que o caso representa uma clara violação dos princípios de transparência e boa governação. Rosário explicou que a organização decidiu avançar com a queixa-crime porque, além do nepotismo evidente, os fundos públicos foram utilizados para benefícios privados, enquanto a população continua a sofrer.

DW África: O que vos motivou a avançar com a queixa-crime contra os envolvidos?

Zito Rosário (ZR): Entramos com este processo porque há indícios de práticas criminosas neste negócio que envolve a embarcação em ações em Inhassunge e Quelimane, que são crimes de peculato, nepotismo, desvio de fundos e fraude. O que queremos é a reposição da justiça e da legalidade neste negócio, mas também no nosso governo.

Pio Matos (esq.), governador da província da Zambézia
Pio Matos (esq.), governador da província da ZambéziaFoto: Marcelino Mueia/DW

Em 2022, o governo da província da Zambézia, através da Direção Provincial de Transportes e Comunicações, adjudicou de forma direta cerca de 10 milhões de meticais num contrato que previa a aquisição de uma embarcação com a capacidade de 42 lugares e também capacidade de transporte de carga para servir para o transporte público de pessoas de bens entre ente Inhassunge e Quelimane.

A adjudicação direta, avaliada em 10 milhões de meticais, no nosso regime de Estado, no nosso regime jurídico, não é possível. Este valor não se pode adjudicar de forma direta a uma empresa. E esta empresa peca também por ser propriedade da filha do governador da província da Zambézia, ou seja, há um nepotismo claro na entrega deste contrato.

DW África: E também há aí tráfico de influência por parte do governador Pia Matos...

ZR: Sim, tráfico de influência. A embarcação devia ter chegado em 2022 e até hoje, 2024, esta embarcação não chegou à população. Foi por via dessa questão que nós, enquanto organização da sociedade civil, tomamos a dianteira. Primeiro, começamos com uma campanha de pressão das autoridades governamentais, propriamente ao governador Pio Matos, com mensagens, cartas endereçadas para exigir que a embarcação fosse alocada naquele trajeto. A nossa pressão teve resultado, mas não são resultados objeto do contrato. Trouxeram-nos uma embarcação de 30 lugares, uma embarcação de luxo, é um iate praticamente, que não é objeto do contrato.

DW África: Isso é uma demonstração de que foi uma solução alcançada em cima do joelho por causa da pressão feita?

ZR: Sim, naturalmente. O próprio governador admitiu isso publicamente no ato da entrega da embarcação. Encontraram medidas paliativas para que este assunto, como estamos em época eleitoral, não voltasse ou não estivesse em cima da mesa. Só que com esta nossa reclamação também, o governador acabou desviando a embarcação para um outro distrito, que é o distrito de Chinde.

Embarcação de 10 milhões nunca entregue
Escândalo de nepotismo envolve a filha do governador da ZambéziaFoto: privat

DW África: Dados ao vosso dispor indicam que houve um suposto uso ilícito do dinheiro público para fins aparentemente privados. Quer citar exemplos?

ZR: O facto desta organização, desta empresa, ser propriedade da filha do governador, e a senhora Fátima Caetano Vicente, que na época, acho que ainda continua nas funções, a diretora dos transportes de comunicações, é subordinada direta do governador da província de Zambézia. Portanto, só pela configuração logo se vê que houve claramente indícios de defraudar o Estado, até porque nunca houve vontade de se adquirir esta embarcação.

Esta embarcação que chega foi encontrada e desconfia-se até que não seja uma embarcação nova, que seja de segunda mão. E, portanto, está muito evidente que eles queriam defraudar o Estado. E uma das coisas que se levanta nesta questão é que, por exemplo, dados que nós temos e que foram também amplamente divulgados na imprensa moçambicana, é que as contas desta empresa, o dinheiro que foi transferido pelo Estado para esta empresa, foi usado em locais de lazer, em levantamentos, compras de bijuteria e etc. São dados fornecidos pela própria procuradoria. Porque a procuradoria chamou os visados, a filha do governador, mais o chefe do gabinete também do governador, a diretora provincial, para serem ouvidos sobre este caso. De fontes nossas também ficamos a saber que eles haviam prometido 30 dias de entregar o barco. Descumpriram totalmente este acordo, mas nada aconteceu também.

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África