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PolíticaRuanda

Victoire Ingabire: A luta por um Ruanda democrático continua

Sandrine Blanchard
3 de setembro de 2022

Em entrevista exclusiva à DW África, líder da oposição no Ruanda, Victoire Ingabire Umuhoza, diz que ruandeses devem encontrar formas de partilhar o poder. E propõe uma comissão de reconciliação, como na África do Sul.

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Ruanda Victoire Ingabire Oppositionsführerin
Foto: CYRIL NDEGEYA/AFP

Uma mulher - Victoire Ingabire Umuhoza - é uma das principais figuras da oposição no Ruanda.Há anos ela apela à democratização das instituições do seu país. Foi presa em 2010 e, durante 15 anos, permaneceu no cárcere.

Em 2018, obteve perdão do Presidente Paul Kagame. Mas ela o acusa de opressão e arbitrariedade - e continua incansáveis campanhas. Em entrevista exclusiva à DW África, Victoire Ingabire Umuhoza explica o motivo.

DW África: A Sra. é uma das figuras mais importantes da oposição ao Presidente Paul Kagame e líder do partido Dalfa-Umurinzi. Tens uma carreira política repleta de obstáculos - por exemplo, uma condenação, em 2010, a 15 anos de prisão por conspiração contra o poder do Estado. Esteve na solitária e está constantemente exposta a represálias. Como pode, no entanto, continuar as suas atividades políticas?

A ativista ruandesa foi à julgamento em 2011, um ano após ser presa (foto de arquivo)
A ativista ruandesa foi à julgamento em 2011, um ano após ser presa (foto de arquivo)Foto: Getty Images/AFP/S. Terril

Victoire Ingabire Umuhoza (VIU): Sim, passei seis anos em regime de isolamento (solitária). Mas fui absolvida de todos estes crimes pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP). A minha luta é pela democratização do nosso país, para que possamos construir instituições que deem segurança e confiança a todos os estratos da nossa sociedade.

DW África: Há alguns dias, publicou um artigo na imprensa belga em que apela a um novo estilo de Governo no Ruanda, descrevendo a história do país desde a independência. Mas também denunciando os excessos autoritários da Frente Patriótica Ruandesa (RPF), no poder desde 1994. Está a apelar a um diálogo nacional?

(VIU): Os ruandeses devem trabalhar em conjunto para encontrar uma solução adequada à nossa situação e encontrar formas de partilhar o poder entre os ruandeses.

Hoje temos o sistema do RPF, que introduziu o que se chama "democracia consensual". Mas descobrimos que, com o tempo, o RPF se transformou num partido estatal onde só existe o partido governante que controla tudo. Devemos trabalhar em conjunto para garantir que cada estrato da sociedade se sinta seguro e participe nas instituições e decisões do país. Só assim todos podem ter a certeza de que, se houver uma ameaça à sua segurança, ou se os seus direitos fundamentais forem violados, ainda há espaço de manobra para se protegerem.

Até hoje, fala-se de reconciliação. Foram dados alguns passos, mas há ainda um longo caminho a percorrer. Por exemplo, em 1994 - antes, durante e depois do genocídio contra os Tutsis - houve outros crimes. Estes foram crimes contra a humanidade, crimes contra o povo. São crimes que têm sido documentados pela ONU. No Ruanda, as pessoas não podem falar sobre estes crimes. Não se pode falar de reconciliação se não se estiver preparado para curar todas as feridas. Por conseguinte, proponho que criemos uma Comissão de Reconciliação, Justiça e Verdade, como na África do Sul, porque a justiça não existe para punir, mas sim para reconciliar.

Victoire Ingabire Umuhoza defende uma Comissão de Reconciliação no Ruanda. Nesta imagem, de 2018, ela deixa a prisão de Nyarugenge (Foto de arquivo)
A líder da oposição ruandesa defende uma Comissão de Reconciliação no país. Nesta imagem, de 2018, ela deixava a prisão de Nyarugenge (foto de arquivo)Foto: CYRIL NDEGEYA/AFP

DW África: Contudo, ainda existem grupos armados ativos através da fronteira ruandesa em território congolês, tais como as Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR). Esta milícia Hutu ruandesa, que luta na República Democrática do Congo (RDC) e que se diz ser parcialmente liderada por perpetradores fugitivos do genocídio ruandês, desempenha um papel importante na reconciliação. Mas como se pode iniciar um diálogo com eles quando são procurados pelas autoridades?

(VIU): Sim, existem grupos armados. Há alguns na FDLR que são procurados pelas autoridades. Mas gostaria de salientar uma coisa: pouco a pouco, há alguns membros da FDLR que estão a regressar ao Ruanda. Estão a ser selecionados. Aqueles que são procurados pelo poder judicial serão julgados e os outros serão integrados à sociedade ruandesa. Não compreendo porque é que o regime diz: "Não queremos discutir com estas pessoas" - quando discutimos com elas todos os dias.

E se há realmente perpetradores de genocídio escondidos entre eles, então estas pessoas devem ser levadas à justiça. Mas também há aqueles que nada têm a censurar, que nada fizeram. Porque é preciso lembrar que a FDLR foi fundada nos anos 2000.

DW África: Acredita que muitos dos combatentes da FDLR são demasiado jovens para terem sido perpetradores do genocídio de 1994?

Penso que há jovens que não se atrevem a regressar ao Ruanda porque nas suas mentes ainda há o que eles experimentaram nas florestas do Congo, quando foram massacrados. Eles têm medo de ir para casa. Talvez tenham optado por pegar em armas na crença de que esta é a forma de se protegerem a si próprios. O Governo ruandês deveria, em vez disso, aceitá-los e fazê-los regressar ao nosso país.