Tráfico de crianças continua a fazer vítimas na Nigéria
2 de agosto de 2022Timipriye é umas das muitas vítimas do tráfico de crianças na Nigéria. trabalha para a família do tio há quatro anos. Tinha 16 anos e morava no sul do país, numa vila rural, quando foi levada para a movimentada capital económica, Lagos, com a promessa de poder ir para a universidade.
"Com tantas promessas, fiquei muito, muito, entusiasmada. E disse imediatamente que queria ir com eles. E os meus pais, sabendo que tinham muitos filhos para cuidar, e que a minha ida diminuiria as suas responsabilidades, também concordaram", recorda a jovem.
Mas, em Lagos, a realidade foi outra, completamente diferente do que esperava. Em vez de se dedicar aos estudos, Timipriye passa os seus dias entre tarefas domésticas e a cuidar dos trigémeos do tio.
"Todas as noites, antes de dormir, choro e nem sequer posso telefonar aos meus pais porque não tenho acesso a um telefone, não tenho autorização para fazer chamadas ou usar o telefone de ninguém. Estou trancada num edifício", conta.
Para piorar, é abusada sexualmente pelo próprio tio, que durante a noite costuma bater à porta do seu quarto. "E mesmo quando tento impedi-lo e tranco a porta antes de dormir, é um problema porque começa a tratar-me mal. Ele monitoriza-me quando estou a tomar banho e quando saio, entra no quarto sem bater", diz Timipriye.
Abusos dentro da própria família
Muitas vezes são os próprios parentes, amigos ou membros de confiança da comunidade que exploram diretamente as crianças traficadas ou que as entregam a outra pessoa.
São traficadas tanto para serviços domésticos como a exploração sexual, sendo usadas também como crianças-soldado, para mendicidade forçada, extração de órgãos e até como barrigas de aluguer forçadas.
A pobreza é uma das principais causas que tornam as crianças mais vulneráveis ao tráfico humano.
Os recrutadores são mais susceptíveis de se aproximarem "dos mais pobres e mais vulneráveis" e dos "analfabetos e psicologicamente fracos", refere um estudo da Pathfinders Justice Initiative, uma organização que trabalha com sobreviventes do tráfico nigeriano.
Embora as organizações internacionais concordem em grande medida que a Nigéria melhorou os seus esforços para combater o tráfico, o flagelo persiste.
Escravatura moderna
Cerca de 1,4 milhões de pessoas viviam em regime de escravatura moderna no país em 2018, de acordo com uma estimativa do índice global de escravatura publicado pelo grupo internacional de direitos humanos Walk Free Foundation.
Já os traficantes raramente são apanhados. O relatório Tráfico de Pessoas de 2021 para a Nigéria, compilado pelo governo dos Estados Unidos da América (EUA), relata apenas 36 condenações.
A falta de responsabilização dos traficantes significa que, os poucos sobreviventes que conseguem escapar, muitas vezes ainda vivam com medo da violência ou que as suas famílias sejam alvo de retaliação, caso os traficantes as encontrem.
É o caso de Ivie, que foi levada para Itália e forçada a fazer trabalhos sexuais quando tinha 15 anos, depois de um amigo de confiança da família ter prometido levá-la para a Europa e encontrar-lhe um emprego como babysitter e um lugar numa escola.
A Organização Internacional para as Migrações estima que 80% das jovens nigerianas que chegam a Itália são provavelmente forçadas à prostituição, como vítimas de tráfico sexual.