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Analista aponta "fracasso militar" em Cabo Delgado

António Cascais
8 de agosto de 2022

Após Filipe Nyusi afirmar que o terrorismo em Cabo Delgado "não termina", o analista Mohamed Yassine fala em "fracasso militar" na região. E diz que o Presidente terá enviado um recado aos investidores do gás.

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Soldados ruandeses em Cabo DelgadoFoto: Cyril Ndegeya/Xinhua/picture alliance

Na última semana, o Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, afirmou por várias ocasiões que "o terrorismo não termina e que a vida não pode parar em Cabo Delgado". Filipe Nyusi disse ainda que não entende porque alguns projetos de multinacionais ainda não retornaram àquela província.

As palavras de Nyusi foram proferidas, entre outras ocasiões, durante a Reunião de Negócios da Agenda Africana da Comunidade dos Presidentes dos Conselhos da Administração e Diretores Executivos, e provocaram alguma surpresa entre muitos observadores e analistas políticos moçambicanos.

A DW África falou sobre o assunto com o analista político e professor universitário moçambicano, e especialista em terrorismo internacional, Mohamed Yassine.

Mosambik | Analyst | Mohamed Yassine
Mohamed Yassine: "O Governo teve muitos passos que deveria ter dado [contra o terrorismo]"Foto: privat

DW África: Qual a mensagem que Filipe Nyusi queria fazer passar, ao proferir publicamente as referidas declarações?

Mohamed Yassine (MY): Primeiro, penso que o Presidente da República, na sua forma peculiar de se comunicar - que é muito difícil de perceber -, acabou por assumir aquilo que alguns de nós já vínhamos dizendo desde 2020, que o terrorismo em Moçambique não iria acabar usando o formato ortodoxo de combate que Moçambique estava a utilizar.

DW África: O Presidente escolheu um encontro com empresários para fazer passar esta mensagem...

MY: O Presidente escolheu aquele encontro, onde tinha também muitos empresários internacionais, para comunicar que [se] o terrorismo não estiver a ser vencido em Cabo Delgado, existem muitos países que avançaram com os seus projetos económicos, assumindo que estão enfrentando também o terrorismo. E Moçambique não deveria ser diferente.

DW África: Qual o papel do Ruanda em toda esta situação? Nyusi continua a contar com este parceiro na luta contra o terrorismo?

MY: Atualmente o Ruanda começa a ressentir-se da guerra prolongada em Cabo Delgado e também das baixas que vai sofrendo. E por outro lado, a parte económica do próprio conflito. O Ruanda precisa do sustento financeiro para manter as tropas lá, e vimos ainda na mesma semana o representante da União Europeia em conversações com o Ruanda. Também vimos o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken a assumir que o Ruanda joga um papel fundamental no processo de manutenção da paz na região em África.

DW África: A petrolífera francesa Total e os seus investimentos em Cabo Delgado são determinantes, Filipe Nyusi dirige-se também à multinacional petrolífera?

MY: O Presidente respondia indiretamente à mensagem da Total, na qual dizia que, não havendo segurança em Cabo Delgado, não iria iniciar as suas atividades. Para sustentar o que digo é que o próprio Presidente disse que, se aquele que estiver a investir achar que não está em condições agora, uma outra pessoa pode aparecer e investir, porque o gás continuará lá, não irá evaporar, deixando perceber que aquela mensagem tem a ver com o receio dos que já investiram em iniciar a exploração de gás por causa da questão da segurança no perímetro de Inhassunge. Então, penso que o Presidente da República não se estava a dirigir para o povo moçambicano, mas sim para o investidor internacional.

Symbolbild I Flucht und Migration
Famílias deslocadas da comunidade de Impire, distrito de Metuge, em Cabo Delgado Foto: Alfredo Zuniga/AFP

DW África: Estas mensagens de Nyusi poderão conter também uma mensagem implícita aos países vizinhos da região da SADC, uma vez que as tropas poderão vir a abandonar muito em breve o norte de Moçambique?

MY: Eu penso que se partiu de um pressuposto errado, e nós alertámos várias vezes o Governo, primeiro que precisava de um grupo de pensamento para identificar as verdadeiras causas do conflito em Cabo Delgado e buscar aquilo que iria chamar de soluções diferentes do uso da força bruta. Por exemplo, a SAMIM [ Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique] tinha um plano de três meses que vai renovando, mas está a haver um peso financeiro que está a deixar os Parlamentos desses países numa situação de difícil anuir a mandatos sem término. Então, a mensagem do Presidente também poderia estar-se a referir ao posicionamento destes países, mas é preciso recordar que recentemente a SAMIM voltou a renovar o mandato da estadia.

DW África: Portanto, na sua opinião, as palavras de Nyusi são válidas, mas pecam por tardias, é isso?

MY: São tardias na medida em que, no fracasso militar que está a acontecer em Cabo Delgado, e na incapacidade de incluir outros atores sociais para melhor perceber o problema [na província], o Governo teve muitos passos que deveria ter dado. Se tivesse percebido também que estamos a lidar com uma insurgência que tem como a base o extremismo violento, iria perceber que precisava de uma contra narrativa para desfazer a ideologia que sustenta este extremismo. E também, até aí, não ia precisar de arma nenhuma. Agora, se optou pelo uso das armas e incluiu logo uma força internacional é porque entendeu que a única forma de vencer esta ideologia era a via armada, e nunca se venceu nenhuma ideologia usando armas. 

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