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Sudão do Sul: Violentos confrontos tribais matam 400 e desalojam pelo menos 20 mil pessoas

3 de janeiro de 2012

O Estado sul sudanês de Jonglei volta a ser palco de combates entre as tribos Lou Nuer e Murle por alegados roubos de gado e rapto de crianças. Desde 2011, mais de mil mortos e 63 mil deslocados, segundo dados da ONU.

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Dezenas de milhares de habitantes de Pibor fugiram para o mato entre 30.12 e 02.02 para escaparem aos confrontos armados entre tribos rivais
Dezenas de milhares de habitantes de Pibor fugiram para o mato entre 30.12 e 02.02 para escaparem aos confrontos armados entre tribos rivaisFoto: picture alliance/dpa

Em Pibor, no leste do Sudão do Sul, reacenderam-se os confrontos armados entre as tribos Lou Nuer e Murle, por disputas sobre a posse de gado, dos quais resultaram, desde sexta-feira (30.12),  mais de 400 mortos e milhares de deslocados. A cidade situa-se no remoto e problemático estado de Jonglei, que faz fronteira com a Etiópia.

Citada pela Reuters, a coordenadora da missão humanitária das Nações Unidas para o Sudão do Sul, Lisa Grande, disse que “o número de pessoas que fugiram para o mato para salvar as suas vidas e procurar segurança, vai ser elevado” admitindo que possa variar “entre 20 mil e 50 mil pessoas”.

Em 2011, a violência étnica, roubo de gado e represálias em Jonglei causaram a morte a mais de 1.100 pessoas e obrigaram cerca de 63.000 habitantes a fugir, de acordo com dados recolhidos pela ONU junto das autoridades locais.

Os confrontos que eclodiram na véspera da passagem de ano levaram a ONU a reforçar as suas tropas naquela cidade. “Estamos a reforçar o patrulhamento aéreo em algumas das áreas-chave de Jonglei, para que possamos deter este potencial de violência”, disse o porta-voz da MINUSS (missão da ONU no Sudão do Sul), Aleem Siddique.

Soldados da ONU reforçam presença

De acordo com a Reuters, o reforço militar das Nações Unidas é composto por 3.000 soldados provenientes do Quénia, Bangladesh e da Índia, cerca de 1.000 agentes de policiais disponibilizados pelo governo do jovem país, independente desde julho.

Refugiados de Jonglei têm esperança no reforço do papel dos capacetes azuis na pacificação dos confrontos tribais na região
Refugiados de Jonglei têm esperança no reforço do papel dos capacetes azuis na pacificação dos confrontos tribais na regiãoFoto: DW

O ministro da informação do Sudão do Sul, Barnaba Benjamin, em declarações à AFP, garantiu que o Governo tem dado passos muito importantes e tem cumprido o seu compromisso de proteger os cidadãos do estado de Jonglei, tanto da comunidade Murle como da Lou Nuer.

Os 6.000 combatentes da tribo Lou Nuer que participaram na ação tentaram atacar sem êxito o quartel do Exército Popular de Libertação do Sudão. Os guerrilheiros Lou Nuer justificaram a tentativa de conquista e destruição de Pibor com a procura de 180 crianças que dizem ter sido capturadas pelos guerrilheiros Murle, em agosto do ano passado.

Pibor é hoje uma cidade destruída e praticamente deserta. De acordo com o Padre José Vieira, diretor de informação de uma rede de rádios católicas no Sudão, o hospital, as igrejas e muitas casas foram queimadas. Segundo ele, a situação continua tensa, motivo pelo qual muitos dos habitantes da cidade fugiram para o mato, onde vivem sem água, sem comida e sem proteção.

Falta comida, abundam armas

As organizações humanitárias que operavam na área, designadamente a ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), estão preocupadas com a fuga para o mato de grande parte do pessoal médico. A clínica onde operava a MSF, em Pibor, também foi destruída. No hospital de Juba, a capital do Sudão do Sul, encontram-se centenas de pessoas gravemente feridas.

 O armamento apreendido pelas forcas sul sudanesas ao exército regular do Sudão durante a guerra civil, circula livremente e sem controlo em muitas regiões do novo país independente
O armamento apreendido pelas forcas sul sudanesas ao exército regular do Sudão durante a guerra civil, circula livremente e sem controlo em muitas regiões do novo país independenteFoto: DW

Para além dos problemas sanitários e logísticos, o vice-ministro da saúde, Yatta Luori Logori, após uma breve visita à região, reconheceu que, neste momento, a principal ameaça para os feridos e deslocados é a falta de comida.

“Queremos obter algum dinheiro para que possamos comprar comida para estes pacientes, incluído crianças e adultos que nunca tinham estado em Juba antes. Não conhecem ninguém aqui. Há muitas pessoas. Mas a falta de comida vai ser um problema”, disse o ministro Luori Logori.

As relações entre as comunidades Lou Nuer e Murle são historicamente problemáticas e difíceis de apaziguar. Lisa Grande, coordenadora humanitária da ONU para o Sudão do Sul, sublinha que os guerrilheiros das duas tribos agem numa espiral de vingança.

“O que vimos nos últimos dias – acrescentou – é uma repetição do que tem já afetado este estado há vários anos. Uma comunidade ataca a outra. Depois há um ataque de retaliação. Nós esperamos conseguir parar a espiral de ataques de retaliação.”

Gado, o pomo da discórdia

Os confrontos entre as comunidades Lou Nuer e Murle já se haviam intensificado em agosto, e reacenderam-se de novo a partir de dezembro. Para além das questões étnicas, no centro das disputas está a atividade pecuária em que ambas são especialistas das quais dependem as suas receitas e o seu poder local.

No Sudão do Sul, a criação de gado é uma das principais fontes de conflito entre as tribos locais
No Sudão do Sul, a criação de gado é uma das principais fontes de conflito entre as tribos locaisFoto: DW

Na luta pela criação, manejo e propriedade do gado existe uma lógica “olho por olho” entre as duas tribos que dividem o seu poder e influência em Jonglei, uma região muito pobre, inundada de armas de grande calibre e completamente arruinada após décadas de sangrenta guerra civil com os arquirrivais do norte sudanês.

Apesar dos esforços para desarmar as milícias tribais, o estado de Jonglei, com um tamanho idêntico ao da Áustria e Suíça, em conjunto, continua a ser um santuário de tráfico de armas, violência gratuita e livre arbítrio.

O caos da administração pública e a inexistência de instituições estatais que funcionem e exerçam os poderes conferidos a um Estado nacional soberano fazem de Jonglei, um território à mercê dos interesses de bandos armados.

Apesar de o governo ter anunciado na segunda feira (02.02) a reconquista e o controlo militar sobre Pibor, poucos acreditam que isso seja sinónimo de pacificação entre as tribos Lou Nuer e Murle e de apaziguamento das tensões latentes no novo país do Corno de África.

Autor: James Shimanyula/Glória Sousa
Edição: Pedro Varanda de Castro/António Rocha