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Sahel: Entre a frustração e o despertar

Thomas Mösch
24 de junho de 2024

Perante governos de cariz militar entre o Mali e o Chade, a sociedade civil dos países do Sahel e os seus parceiros alemães procuram uma nova base para a cooperação.

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Restaurante em Bamako, no Mali: Governos militares restringem a liberdade política dos cidadãos
Restaurante em Bamako, no Mali: Governos militares restringem a liberdade política dos cidadãosFoto: Michele Cattani/AFP

"Não foram golpes de Estado, foram derrubadas (pressionadas pela população)". Quando Aminata Touré Barry, uma representante da sociedade civil do Mali, usou estas palavras para descrever a situação no seu país natal, numa reunião com parceiros alemães, em junho, foi recebida com murmúrios de espanto, e não apenas das fileiras das organizações alemãs. Os ativistas dos próprios países do Sahel foram os primeiros a protestar contra esta análise.

Rapidamente tornou-se claro que os golpes militares que varreram governos formalmente democráticos nos países do Sahel- nomeadamente Mali, Burkina Faso e Níger - desde 2020, também abalaram a cooperação com a Alemanha. Valores que são muito importantes para a Alemanha, como a liberdade de expressão, a democracia e o Estado de direito, foram relegados para segundo plano ou completamente abolidos.

Aminata Touré Barry, da Associação Maliana para o Bem-Estar da Família
Aminata Touré Barry, da Associação Maliana para o Bem-Estar da Família, vê os golpes de Estado no Sahel como agitações vindas da populaçãoFoto: Thomas Mösch/DW

Alemanha quer manter presença

Nestas circunstâncias, as organizações independentes de desenvolvimento e de defesa dos direitos humanos também têm dificuldade em continuar a trabalhar como antes. O facto de existirem diferenças de opinião consideráveis no seio dos grupos da sociedade civil do Sahel não facilita as coisas, admite Marcel Maïga, que faz parte do comité de direção da rede alemã de ONG Fokus Sahel: "Do lado do Sahel, continua a haver interesse em que a Alemanha se engaje na região. E apesar da situação difícil, a Alemanha está disposta a manter o diálogo e a trabalhar em conjunto com estes países".

Ulrich Thum, do departamento África da Fundação alemã Friedrich Ebert (FES), que desde os anos 1960 tem um escritório em Bamako, capital do Mali, confirma que as organizações oficiais alemãs também querem manter uma presença no Sahel. No entanto, sublinha que a situação no Mali, em particular, é politicamente difícil. Todos os anos, a FES faz o inquérito "Mali-Mètre" sobre o ambiente no Mali.

"Vê-se, por um lado, que o apoio ao Governo é bastante elevado", afirma Thum, resumindo os últimos resultados. "Ao mesmo tempo, estas sondagens mostram que o maior desejo é que haja a paz e a segurança no país. São, sem dúvida, duas tendências que se contradizem um pouco", afirma Thum.

Ousmane Maïga, da Associação Juvenil para o Engajamento Cívico e a Democracia
Ousmane Maïga, da Associação Juvenil para o Engajamento Cívico e a Democracia, espera uma maior cooperação com a AlemanhaFoto: Thomas Mösch/DW

Depois dos golpes: Progresso ou passo atrás?

Aminata Touré Barry, presidente da Associação Maliana para o Bem-Estar da Família (AMASBIF), não vê qualquer contradição. Os anteriores governos eleitos não resolveram os problemas:

"Se parceiros como a Alemanha não querem trabalhar com o Mali agora, então não compreenderam o problema", critica. A população do Mali continua a necessitar de segurança, cuidados de saúde e alimentação e precisa do apoio de parceiros estrangeiros. Atualmente, a Rússia, em particular, está disposta a fazê-lo. "O facto de a Alemanha queixar-se de falta de liberdade de expressão e de democracia baseia-se em juízos errados", avalia Barry.

O Mali é um bom exemplo de como as percepções são diferentes, mesmo nos próprios países do Sahel. Ousmane Maïga, da organização de jovens AJCAD (Associação Juvenil para o Engajamento Cívico e a Democracia), chega a uma conclusão muito diferente:

"Estamos a ver grandes retrocessos na democracia e na política. O facto de eleições livres e transparentes estarem a ser adiadas cada vez mais deixa muitas pessoas descontentes, especialmente nós, ativistas cívicos ativos pela democracia."

Ousmane Maïga admite que existem atualmente tentativas de promover a reconciliação e a coexistência pacífica. Mas não teria sido necessário um golpe de Estado para resolver os muitos problemas do país. E, tendo em conta a mudança democrática de poder no vizinho Senegal, acrescenta: "O caso do país vizinho acaba de mostrar que é possível introduzir mudanças sem subverter completamente o sistema."

Epiphanie Dionrang, ativista dos direitos das mulheres
Epiphanie Dionrang: "Os jovens sentem-se frustrados porque nasceram e cresceram sob um mesmo regime"Foto: Thomas Mösch/DW

Juventude frustrada

A grande maioria dos habitantes do Sahel são jovens com menos de 35 anos. A sua frustração e falta de perspetivas caracterizam a situação em todos os países da região. É também o caso do Chade, onde as controversas eleições de maio puseram fim a um período de transição de quase três anos, após a morte súbita do Presidente Idriss Déby, no poder desde 1990. Com a confirmação oficial do seu filho Mahamat Idriss Déby como seu sucessor, um jovem de 40 anos está agora à frente do Estado.

Mas isso não altera em nada a situação desoladora dos jovens do país, lamenta a jovem ativista dos direitos das mulheres Epiphanie Dionrang:

"Há muitas restrições, sobretudo para os jovens. Há também ódio entre os grupos étnicos. Os jovens sentem-se frustrados porque nasceram e cresceram sob um mesmo regime, sem qualquer mudança". Esta situação conduz à radicalização, que por sua vez é reprimida da pior forma possível, sublinha Dionrang.

Como é que os parceiros alemães poderiam ajudar numa situação como essa? A jovem ativista não acredita em constantes novas exigências.

"Temos de começar por nós próprios", está convencida. Acima de tudo, o Estado de direito deveria prevalescer para que as leis, por exemplo, para a proteção das mulheres, não fiquem apenas no papel e as suas violações sejam punidas: "Os parceiros podem ajudar-nos a acabar com esta impunidade e a fazer valer os nossos direitos como cidadãos".

Marcel Maïga, da rede alemã Fokus Sahel
Marcel Maïga: "Trabalhar em conjunto significa beneficiar a população"Foto: Thomas Mösch/DW

Trabalho conjunto para o bem das populações

Todos os parceiros da rede alemã de ONG Fokus Sahel concordam que é agora ainda mais importante ouvirem uns aos outros e levar a sério as necessidades de cada um. Marcel Maïga, do comité de direção do Fokus Sahel, sublinha: "Estas experiências ao nível das bases conduzem a conclusões diferentes – o que é perfeitamente normal. Isso não torna a cooperação mais complicada. Trabalhar em conjunto significa beneficiar a população."

No entanto, seria possível trabalhar em conjunto para melhorar a vida das pessoas. Marcel Maïga tem visto repetidamente que isso funciona mesmo nas condições mais difíceis no seu trabalho como parte da parceria entre a cidade saxónica de Chemnitz e Timbuktu, no Mali: "Estamos atualmente a trabalhar a um nível baixo, mas ainda podemos realizar projetos com os nossos parceiros locais que vão ao encontro das necessidades das pessoas," finaliza.

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