Rússia: O que muda na governação de Putin após as eleições?
20 de março de 2024Em todo o mundo e na própria Rússia, a recente eleição presidencial foi vista sobretudo como uma formalidade. Poucos ficaram surpreendidos com a vitória "recorde" de Vladimir Putin. Mas o que pode esperar o país de mais um mandato do Presidente?
"O proclamado resultado de 87% [nas eleições] confirma o regime e o rumo cada vez mais ditatorial de Putin", diz Regina Heller, investigadora do Instituto de Investigação da Paz e Política de Segurança da Universidade de Hamburgo.
"O resultado não reflete a vontade dos eleitores, mas sim a vontade do regime", acrescenta. Serve de "carta branca para o regime, para as políticas de Putin e também para as suas ações na Ucrânia".
O especialista na Europa de Leste Hans-Henning Schroder lembra que o regime de Putin estabilizou, depois de sobreviver a um 2023 em crise. No ano passado, o Kremlin enfrentou um motim liderado por Yevgeny Prigozhin, o oligarca que chefiava o Grupo Wagner, uma milícia privada ao serviço do Estado russo, que acabaria por morrer num desastre de avião. Na sequência, Putin levou a cabo uma série de atividades públicas com o objetivo de mostrar que "continua no comando", afirma o analista.
O regime de Putin continua no poder por vários motivos, incluindo a economia estável da Rússia e o amortecimento do impacto das sanções do Ocidente, dizem os especialistas. Além disso, qualquer opositor à guerra da Rússia na Ucrânia enfrenta uma brutal repressão. Tudo isto permite ao Kremlin continuar a governar como dantes.
"O que já podemos ver é que Putin continuará a travar a guerra [contra a Ucrânia], sem alterar a intensidade e possivelmente até intensificando os combates", considera Regina Heller, em entrevista à DW.
Subir impostos para financiar a guerra?
Entretanto, os russos poderão enfrentar subidas de impostos - até porque Putin pediu ao Governo russo que sugira emendas ao código fiscal num discurso na Assembleia Federal antes das eleições. A guerra na Ucrânia tem o seu preço, diz Schroder à DW.
O Governo precisa de dinheiro e só pode consegui-lo através do aumento das receitas fiscais que "seriam, naturalmente, utilizadas para financiar a guerra", segundo Gerhard Mangott, professor de ciência política na Universidade de Innsbruck, especializado em Relações Internacionais e questões de segurança relacionadas com a região pós-soviética.
Novos recrutamentos militares?
Muitos russos esperam também uma nova mobilização para recrutar soldados. Este é um cenário realista, uma vez que Putin não está a abrandar a sua retórica militar, diz Heller à DW. "Podemos ver que o apoio do Ocidente à Ucrânia não é tão forte como talvez devesse ser", o que, do ponto de vista do Kremlin, constitui uma oportunidade para tentar alterar o equilíbrio a seu favor através de um novo recrutamento em massa.
No entanto, mobilizações neste sentido podem revelar-se perigosas, numa altura em que os russos mostram um grande cansaço perante a guerra. Gerhard Mangott concorda e cita dados que sugerem que um recrutamento em massa é pouco provável.
Schroder afirma que uma nova mobilização vai depender dos planos da Rússia para a Ucrânia nos próximos meses: "Se quiserem partir para o ataque e derrotar a Ucrânia, vão ter de aumentar as suas forças armadas para vencer e controlar o país".
O especialista acrescenta, no entanto, que a Rússia estará apenas a tentar parecer bem sucedida: "A minha impressão é que, pelo menos até às eleições [presidenciais] norte-americanas, se trata mais de manter a vantagem e dar a impressão geral, no país e no estrangeiro, de que estão a caminho da vitória."
A situação na Ucrânia pode deteriorar-se caso o Presidente Joe Biden seja derrotado por Donald Trump nas eleições. Neste caso, a Rússia não irá provavelmente precisar de recrutar mais soldados numa mobilização significativa, afirma Schroder.
Mudanças na liderança?
Não se esperam grandes mudanças na liderança russa após as recentes eleições, segundo os especialistas ouvidos pela DW. "Não vejo grandes fraquezas no momento", diz Schroder, acrescentando que o Kremlin está satisfeito com o primeiro-ministro Mikhail Mishustin.
O banco central russo e os responsáveis pela política financeira estabilizaram a economia depois de as sanções da União Europeia e dos EUA em resposta à guerra na Ucrânia terem causado uma desordem inesperada. A inflação também está sob controlo. A mudança económica da Rússia, da Europa para a Ásia, também funcionou bem, razão pela qual Putin não vê motivos para intervir, explica Schroder.
No seu discurso à nação, Putin sublinhou que a Rússia precisa de uma nova elite pró-guerra. Alguns destes elementos poderiam ser recrutados entre os filhos e filhas dos aliados de Putin, que o Presidente russo conhece há muito tempo e que lhe são leais, considera Heller. Para a analista, é provável que a elite governante sofra uma reestruturação com o objetivo a longo prazo de preparar uma transição de poder suave e estável depois de Putin.