Ruanda e Burundi: dois pesos e duas medidas da Alemanha?
17 de julho de 2015
O Burundi é há vários meses palco de protestos contra o Presidente Pierre Nkurunziza, desde o anúncio da sua candidatura a um terceiro mandato nas presidenciais de 21 de julho. A oposição e os manifestantes afirmam que a decisão viola a Constituição e a crise política no país alarmou a comunidade internacional.
Menos atenção recebeu o vizinho Ruanda, que atravessa atualmente uma situação semelhante: o Presidente Paul Kagame quer ser reeleito em 2017, embora a Constituição limite os mandatos presidenciais a dois sucessivos. Esta semana, o Parlamento aprovou uma emenda constitucional que será votada pela população e que poderá permitir a candidatura do chefe de Estado a um terceiro mandato.
Bom presidente, mau presidente
Dois países, dois presidentes que vêem a Constituição nacional como um obstáculo. No entanto, enquanto o embaixador alemão no Ruanda é bastante claro nas críticas ao Burundi, o caso ruandês é encarado de forma muito diferente. Peter Fahrenholtz apoia o referendo que poderá permitir alterar a Constituição no Ruanda, afirmando que o processo será “totalmente transparente e justo”.
O embaixador alemão falava ao jornal ruandês New Times, numa entrevista em que, por outro lado, deixa uma recomendação ao Presidente do Burundi: “o melhor seria afastar-se e deixar o país avançar”.
Declarações que surpreenderam o professor de Política de Desenvolvimento da Universidade de Antuérpia, Stef Vandeginste. O académico questiona o facto de as autoridades alemãs criticarem o Burundi mas continuarem a tratar o Ruanda como um Estado modelo afirmando que “a entrevista parece sugerir que isto é uma história de bons contra maus. E a pergunta que se impõe é o que torna o Burundi um caso mau e o Ruanda um caso bom”.
“Será que o Ruanda respeita mais a democracia e os direitos humanos? Há mais liberdade de imprensa e de expressão? Há uma sociedade civil mais ativa?”, são as questões colocadas por Vandeginste. E o académico não hesita na resposta: “acho que não”.
Restrições à liberdade
De acordo com a Amnistia Internacional, a liberdade de imprensa é muito limitada no Ruanda e a oposição é alvo de perseguições. Fred Muvunyi, jornalista ruandês, viu-se forçado a fugir do país em maio, rumo à Holanda. “Não há um conflito no Ruanda, mas não tenho os meus direitos, como cidadão, no meu país”, explica. O jornalista que acrescenta: “fazem-se tantos elogios ao Ruanda, à nossa economia, e nós concordamos, mas queremos que haja simultaneamente valores e princípios democráticos.”
Muvunyi considera que a comunidade internacional deveria exercer uma maior pressão sobre o Presidente Paul Kagame com vista a uma maior abertura política e democrática no Ruanda.
E levanta-se a questão: como é que o Governo alemão avalia as situações do Burundi e do Ruanda de formas tão distintas? Confrontado pela DW com as declarações do embaixador alemão no Ruanda, o ministério alemão dos Negócios Estrangeiros escusou-se a comentar a entrevista de Fahrenholtz, limitando-se a sublinhar que o ministério já expressou várias vezes a preocupação do Governo Federal acerca da situação atual do Burundi.
“Não contem connosco”
Segundo o professor Stef Vandeginste, tomadas de posição como as do embaixador podem ser perigosas. “Estas declarações são desastrosas para a credibilidade dos esforços dos parceiros de desenvolvimento para apoiar a democracia e a justiça, porque, acima de tudo, dizem aos activistas locais que lutam pela democracia ‘não contem connosco’.
O jornalista Fred Muvunyi afirma mesmo que uma emenda constitucional pode ser fatal para o futuro do Ruanda e sublinha que “a população não deve olhar para a questão da emenda constitucional no presente, mas sim no futuro. Kagame não pode ser Presidente para sempre. Se o seu sucessor for um fracasso será horrível para os ruandeses, porque será impossível remover essa pessoa do poder”.