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Quénia: Crónica de um desastre anunciado

23 de setembro de 2011

A explosão de um oleoduto em "Mukuru Sinai", um bairro pobre da capital queniana, Nairobi, vitimou dezenas de pessoas. Imprensa e sociedade civil acusam a empresa estatal, Kenya Pipeline Company, de negligência.

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Explosão de um "pipeline" nos arredores de Nairobi (12.09) que fez mais de 120 mortosFoto: dapd

Pelo menos 120 pessoas morreram com a explosão de um oleoduto que causou um incêndio no bairro de lata "Mukuru Sinai" da capital queniana, Nairobi. Há dois anos, os jornais quenianos já tinham alertado para uma possível tragédia mas o governo não agiu prontamente. A empresa estatal – Kenya Pipeline Company - também não se moveu para ajudar os moradores.

O desastre aconteceu há mais de uma semana, no entanto, os corpos das pessoas não identificadas ainda estão a apodrecer nos mortuários da cidade. Famílias perderam os seus chefes enquanto algumas das vítimas nunca se vão recuperar da tragédia.

Uma bomba relógio

O homem que previu a iminência do desastre no Sinai chama-se John Ngarichu. Ele trabalha como jornalista no jornal mais vendido do Quênia, o Daily Nation. Há dois anos atrás, ele publicou um artigo chocante no qual revelava que os moradores de Mukuru estavam a viver demasiado perto de um oleoduto – uma autêntica bomba relógio.

Der Slum Kibera in Nairobi
Na periferia de Nairobi existem muitos bairros de lata como o da foto, KiberaFoto: CC/Schreibkraft

"Eu escrevi essa história depois de ter ocorrido um desastre. As pessoas tinham estado a recolher combustível de um tanque e alguém inflamou-o, muitas coisas ficaram queimadas". O jornalista conhecia bem a história do Sinai. E recorda que "moradores daquela área tinham protestado contra a ordem de despejo dada pela Kenya Pipeline Company". E acrescenta "pensei: uma situação parecida existe na cidade! Pessoas morreram por causa de oleodutos que carecem por exemplo de uma manutenção regular. Seria interessante contar aos quenianos que isso pode acontecer até mesmo na cidade".

População contra os modelos de realojamento

A polémica sobre as expulsões na área Mukuru Sinai tem sido contínua. Em 2008, a Kenya Pipeline Company deu ordens de despejo a alguns moradores. Eles, por sua vez, levaram a empresa ao tribunal, alegando que não lhes ofereceu áreas de realojamento e nem dinheiro como compensação. Como resultado, algumas pessoas que vivem nas zonas "mais perigosas" receberam algum dinheiro para ficarem em regiões mais distantes.

De acordo com um artigo publicado recentemente pelo "The Daily Nation", os proprietários do lote receberam cerca de 46 euros por quarto como compensação, enquanto os inquilinos receberam 69 euros para se mudarem. Mas, o assunto não está completamente resolvido até o momento, as pessoas continuam a morar em seus lotes.

Steve Ouma que é o diretor do Pamoja Trust, uma ONG que trabalhava com os moradores na altura destacou que "o caso foi levado para a frente mas o argumento da empresa foi que as pessoas residiam lá ilegalmente e deviam mudar-se".

Segundo ele "nós concordávamos que havia um grande risco para a empresa e para a população, mas também dissemos que a empresa estava a agir de maneira bastante negligente porque permitiu a infiltração contínua de produtos petrolíferos nos esgotos da localidade". Em vez de expulsar essas pessoas a ONG disse "que poderia existir outros modelos de realojamento que não resultassem necessariamente em expulsões", concluiu.

O governo também não conseguiu fazer jus ao seu trabalho e realojar as pessoas de Mukuru Sinai. Um comité inter-ministerial foi formado em 2009 para estudar possíveis formas de realojar os moradores, mas até à data nada aconteceu. Alguns observadores afirmam que os políticos da região também não estão a fazer a sua parte para garantir que as pessoas sejam rapidamente realojadas. Steve Ouma da Pamoja Trust explica por que os políticos realmente tinham interesse de manter as pessoas que vivem na vizinhança do gasoduto.

"Os políticos vêm os cidadãos em termos de votos"

Karte Kenia Englisch
Fugas nos "pipelines" e nos camiões-cisternas estão na origem de alguns acidentes mortais no Quénia

"É lamentável que a maioria dos políticos tende a ver os cidadãos em termos de votos, por isso mesmo, quando se quer fazer o realojamento, os políticos levantam dúvidas sobre se essas pessoas seriam transferidas para as suas bases eleitorais ou não!"

De acordo com a Capital FM, uma estação de rádio com sede em Nairobi, a Autoridade queniana para o Meio Ambiente (NEMA) anunciou que vai processar a empresa Kenya Pipeline por não seguir as normas ambientais. Embora seja muito criticada a companhia continua a não assumir a responsabilidade pelo acidente. Em vez disso, o diretor Administrativo da Companhia, afirmou numa recente conferência de imprensa "que a empresa fez o melhor que pôde para parar o fogo".

A Deutsche Welle tentou obter o comentário da empresa mas sem sucesso.

Autora: Ruth Tindyebwa / Carla Fernandes

Edição: António Rocha / Helena de Gouveia