Protestos: "Não há base legal para uso de armas de guerra"
4 de novembro de 2024Em Moçambique, a polícia está a coartar os direitos à livre circulação de pessoas, numa grave violação das liberdades consagadas pela Constituição, para impedir a extensão dos massivos protestos pós-eleitorais.
Nos últimos dias, as autoridades também estão a reprimir as manifestações com material de guerra, como viaturas blindadas e armas PKM que são vistas nas mãos dos agentes.
Em entrevista à DW, André Thomashausen explica que "não há base legal para o uso" destas armas. O especialista em direito internacional sublinha que apenas em caso de estado de sítio, e declarado pelo Parlamento, esse tipo de equipameno pode ser usado.
Thomashausen alerta ainda para as consequências económicas da rebelião e defende uma intevenção regional na crise política moçambicana.
DW África: Em Moçambique, há denúncia de uso de armas inapropriadas, como PKM, contra os protestos e veem-se pelas avenidas viaturas de guerra. A intenção das autoridades é apenas de aterrorizar o cidadão?
André Thomashausen (AT): Não há base legal para o uso de armas de guerra em situações civis. A liberdade de demonstração, de manifestação e de opinião estão consagradas na Constituição de Moçambique. São direitos fundamentais de todos os moçambicanos e só, dentro de limites, podem ser suspensos no caso de sítio de emergência, que tem que ser declarado pela Assembleia Nacional. Neste caso, não houve declaração de Estado de sítio, nem poderá haver, porque duvido muito que haja uma maioria dos deputados na Assembleia dispostos a tomar esta medida contra cidadãos que pacificamente se querem manifestar.
Esta atuação com blindados e metralhadoras pesadas, o uso de armas de fogo, de espingardas automáticas - de calibre limitado ao uso de força na guerra e não na manutenção da lei e ordem em situações civis - são violações do direito.
DW África: As informações que nos chegam é de que a polícia moçambicana posicionou-se estrategicamente à entrada da cidade de Maputo para impedir que os manifestantes convocados por Venâncio Mondlaneentrem para a marcha final do dia 7. Alguns estão a ser detidos e maltratados pelas autoridades. Estamos diante de graves violações constitucionais, ou melhor, de crescentes violações da Constituição?
AT: Absolutamente, e que começaram muito agressivamente no dia 19 de outubro, com o assassinato de duas das pessoas-chave do partido da oposição PODEMOS. Infelizmente, o Governo ainda vigente, - porque ainda não transferiu as pastas para o candidato eleito [Daniel Chapo], segundo a contagem oficial - está a continuar com essas ordens. O Governo vigente continua com uma política, que eu considero irresponsável, de tentar, com a força das balas, impedir que uma manifestação entre na cidade de Maputo. Se continuarem, vai haver uma confrontação sangrenta. E isto é um atentado ao progresso e à boa imagem da África Austral.
Essas atuações deveriam ser discutidas no órgão de segurança da SADC, que existe para esse efeito - para se poder discutir com o Governo de Moçambique qual é a melhor reação à crise política existente no país e que não estrague toda a boa reputação [de Moçambique] como destino de investimentos e como um subcontinente em vias de desenvolvimento. Não precisamos de golpes.
DW África: Como é que Moçambique pode tentar reverter este quadro a nível internacional, sem ser numa perspetiva paternalista? Temos que lembrar que Moçambique é membro de várias organizações multilaterais…
AT: Penso que deveriam considerar, ainda não é tarde [para o fazer], satisfazer os pedidos dos observadores eleitorais estrangeiros - que pediram para verificar as atas das contagens para que se explique esta divergência catastrófica de uma contagem oficial atribuir 70% a um candidato.