Moçambique: Intervenção da SADC aumentaria tensão na região
8 de dezembro de 2020Jasmine Opperman, especialista em contra-terrorismo, afirma em entrevista à DW África que há "questões de confiança" por parte do Governo em Moçambique em relação a um eventual papel da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) na mitigação da insurgência armada que assola o Norte e Centro de Moçambique.
Jasmine Opperman é investigadora do Projeto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED) e não acredita numa intervenção imediata da SADC em Cabo Delgado, porque tal poderia desencadear uma escalada de tensão na região.
A violência armada em Cabo Delgado, norte de Moçambique, está a provocar uma crise humanitária com cerca de duas mil mortes e 500 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.
A província onde avança o maior investimento privado de África, para exploração de gás natural, está desde há três anos sob ataque de insurgentes e algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico desde 2019.
DW África: É possível pensar numa intervenção da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) no conflito em Cabo Delgado?
Jasmine Opperman (JO): Se falarmos de SADC e intervenção, há alguns fatores que temos de ter em mente. Primeiro temos de ver a SADC como uma instituição, com capacidades limitadas, uma posição financeira e alguma habilidade para dar apoio apesar das dificuldades... Segundo temos a questão de o Governo de Moçambique autorizar a SADC a intervir em Cabo Delgado. Houve recentemente um acordo com o Malawi e outro com a Tanzânia. Como instituição, a SADC tem dito que pretende uma intervenção integrada. Mas se falarmos de uma intervenção armada no terreno, alguém teria de a financiar, teria de haver treino conjunto e um posto de comando e controlo... E não me parece que o Governo de moçambique esteja a favor de uma intervenção desse género.
DW África: Qual seria a solução?
JO: Vejo como mais provável que o papel da SADC seja providenciar assistência à segurança, dar auxílio aos serviços de inteligência e também às forças de segurança. Não vejo a SADC a ter capacidade militar par fazer qualquer mudança na situação do país... Penso que isso só agravaria o problema.
DW África: Moçambique terá apresentado recentemente aos líderes regionais uma "lista de compras" de equipamento militar para combater os insurgentes e não terá revelado ter qualquer plano coerente para resolver a questão dos ataques armados. O Governo em Maputo não confia na SADC?
JO: Acho que o Governo de Moçambique está convicto de que consegue proteger a sua própria soberania nacional. Vemos que o Governo pretende fortalecer a sua capacidade militar para poder lutar contra a insurgência militar sem qualquer apoio da SADC. Infelizmente temos de ter o contexto histórico da SADC em consideração. A SADC teve um papel importante durante o regime do “apartheid” ao ajudar a RENAMO a desestabilizar a região... Por isso, há questões de confiança e preocupações em relação ao que está a influenciar a atual posição do Governo de Moçambique. Ao irem diretamente à União Europeia (UE), enviaram uma mensagem clara para a SADC de que não esta é de total confiança na sua capacidade de dar a ajuda que Moçambique precisa.
DW África: Mas a SADC vai precisar da autorização da Organização das Nações Unidas (ONU) para intervir em Cabo Delgado...
JO: Há a possibilidade de os países da SADC concordarem, à revelia da posição do Governo de Moçambique, em intervir devido ao risco que existe na região. Na possibilidade desse protocolo ser colocado em cima da mesa, teriam de ir ao Conselho de Segurança da ONU para que fosse aprovado. Mas espero que isso não aconteça, porque teríamos uma força a mover-se dentro de Cabo Delgado contra a vontade do Governo de Moçambique e isso criaria um nível adicional de tensão. Existe essa possibilidade, mas não é uma escolha feita simplesmente pela SADC.