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Onde as elites políticas moçambicanas cuidam da saúde?

29 de maio de 2024

Nas degradadas unidades públicas é que não é, fogem delas como o diabo da cruz. A maioria vai atrás dos serviços de excelência do exterior. Terão os dirigentes empatia para com povo que carrega a cruz do sistema público?

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Foto ilustrativa
Foto: picture alliance/ZB

As clínicas privadas de eleição dos dirigentes moçambicanos estão no exterior, sendo as sul-africanas as preferenciais pela proximidade, mas com preços exorbitantes. Em situações de emergência, são evacuados rapidamente de avião ou helicóptero. E costumam ser muito exigentes no atendimento.

Também recorrem a clínicas privadas do país, como conta Augusto Parece, enfermeiro no Hospital Provincial de Chimoio, no centro de Moçambique: "Esses dirigentes superiores não costumam ser tratados aqui no hospital central ou provincial, mas sim nas clínicas privadas, porque já sabem que aqui não há medicamentos suficientes e não há condições, por isso não se tratam nos hospitais públicos".

Só uma consulta no privado custa cerca de 2.200 meticais (32 euros), cerca de um terço do salário mínimo, um valor impraticável para o cidadão comum, mas acessível às elites políticas graças aos impostos do cidadão. É que os valores são pagos pelo Governo, através de um sistema de seguro, conta Ana António (nome fictício), enfermeira de uma clínica privada da capital moçambicana.

As clínicas sul-africanas são bem conhecidas em Moçambique pela qualidade dos seus serviços
As clínicas sul-africanas são bem conhecidas em Moçambique pela qualidade dos seus serviços Foto: hafiek Tassiem/REUTERS

"Aqui em Maputo, costumam frequentar o ICOR, Hospital Privado, a Clinicare. As clínicas hoje em dia funcionam mais com as seguradoras. Então, eles [dirigentes] veem e não pagam nada [do seu bolso]", conta. 

A quem beneficiam as juntas médicas para o exterior?

Nada de novo. Também não é novidade que a sua influência permite-lhes obter as juntas médicas do Ministério da Saúde (MISAU) para o exterior. Mas talvez seja novidade que as clínicas de eleição, as sul-africanas, fecharam as portas às juntas moçambicanas devido a enormes dívidas, segundo uma fonte do MISAU. Agora as juntas são para a Índia, um destino desinteressante para as elites, mas útil aos seus familiares.

Terão esses dirigentes privilegiados empatia para com a população que protesta contra o precário sistema de saúde público? Ana António acredita que "eles não sentem que quem está a sofrer é a população. "O pessoal não reclama só pelo dinheiro, é [sobretudo] pelas condições de trabalho, mas o Governo não quer falar nada".

"Está-se a morrer", alerta a enfermeira.

A "bolha" em que vivem impede-os de saber como funcionam as unidades hospitalares, acusa Anacleto Muchave, presidente da Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM): "Eles não são sensíveis, porque, primeiro, não têm interesse em servir o povo e sabem que têm uma facilidade, podem pegar um voo a qualquer minuto para qualquer canto do país".

Nas unidades públicas, onde falta até detergente para as mãos, os utentes são submetidos a condições desumanas
Nas unidades públicas, onde falta até detergente para as mãos, os utentes são submetidos a condições desumanasFoto: Sitoi Lutxeque/DW

Sistema Nacional de Saúde falido

Há mais de um mês que os enfermeiros e técnicos de saúde estão em greve, entretanto suspensa, por melhores salários e melhores condições de trabalho e para os utentes. Também os médicos residentes nos serviços de urgência estão em greve, e há sensivelmente uma semana juntaram-se a eles os médicos especialistas. Há um ano que o Governo lhes retirou o subsídio de horas extras por falta de recursos.

Anselmo Muchave critica a decadência do sistema de saúde público: "Nós, como povo, sentimos isso na pele, porque as pessoas dormem sobre as bases das camas. Neste tempo de frio, não há camas nas unidades sanitárias, nem aquecedores. E como ficam os berçários? Não é uma coisa de hoje, já vêm morrendo há muito tempo."

A greve quase passou ao lado da classe média, que também há muito descartou o sistema nacional de saúde, como é o caso de Luís Tamele (nome fictício). O arquiteto, que trabalha para uma multinacional, possui um seguro de saúde pago pelo empregador, confessa: "Normalmente, não uso o sistema nacional de saúde, pelas razões que todos nós sabemos. Tem um serviço bastante limitado e deficitário, e felizmente tenho possibilidade de usar o serviço privado."

E da base da pirâmide social, quem cuida? Os grevistas e associações profissionais mostram-se os únicos guardiões, já que o Governo parece estar a abandonar o sistema de saúde público e os seus utentes.

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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