O impacto psicológico da pandemia em Maputo
23 de fevereiro de 2021Já há pessoas que estão a receber acompanhamento psicológico na cidade de Maputo por causa do pânico, das restrições e do sofrimento gerados pela pandemia. A constatação é do psicólogo Édio Tsambe, afeto ao Centro de Isolamento e Tratamento da Covid-19, no Hospital Geral da Polana-Caniço.
São 15 indivíduos que recuperaram do coronavírus, mas que apresentam problemas mentais como psicoses, depressões e ansiedade moderada. "Falo de indivíduos que estiveram internados e que tiveram um diagnóstico de saúde mental que necessita de acompanhamento extra-internamento", diz o psicólogo.
Filónia, 26 anos, acusou positivo para o coronavírus e chegou a ficar duas semanas internada. Entretanto já recuperou da doença, mas agora tem medo de voltar ao hospital. "Dá sensação de medo, dá muita pena, por causa do comportamento que vimos fora e depois entramos aqui", desabafa.
"Eu tenho mais atenção em me prevenir do que os outros que não têm alguma experiência. Sei que não posso tocar em determinados lugares ou sentar-me em alguns lugares. Tenho medo que os outros não façam isso", diz.
"Foi assustador"
Maria de Lurdes e a sua filha de 11 anos também ficaram internadas no Hospital Geral da Polana-Caniço durante duas semanas, depois terem contraído o vírus. "Quando ouvia, pensava que fosse brincadeira, mas esta doença mata de verdade", diz.
"Fiquei assustada e com muito medo quando soube que contraí a doença. Fiquei sem forças e quero aconselhar a todas as mães para cuidarem bem das crianças e não deixá-las sair", sugere.
Nem os profissionais de saúde escapam. A enfermeira Yonisse da Nélia foi infetada durante o exercício da sua profissão e não esconde que ficou assustada quando testou positivo.
"Foi algo assustador, mas com o apoio dos psicólogos consegui lidar com a situação porque logo que acusei positivo tive acompanhamento dos profissionais de saúde. Todos os dias recebia chamada dos psicólogos", recorda.
"Na minha família foi algo assustador, mas logo que segui todas as orientações médicas conseguiram se adaptar também. Aqui a qualquer altura posso voltar a contrair mas redobro os esforços para me proteger."
Pânico e medo nas famílias
O psicólogo clínico Édio Tsambe diz que faz sentido o pânico e medo que se instalou no seio das famílias apenas pela forma como um doente deve ser tratado.
"Quando isolamos alguém, estamos a lhe tirar do convívio familiar, do convívio social, estamos a mudar uma rotina por completo. Então, é necessário ter muita empatia, é necessário saber colocar-se no lugar deste paciente, reconhecer os seus medos e encaminhar bem os pacientes", recomenda.
O psicólogo alerta que, se os números continuarem elevados, Moçambique poderá ter uma sociedade traumatizada que vai precisar passar por um processo de cura, sobretudo os foram infetados pelo coronavírus e recuperaram.
"Os que estão em pânico são aqueles que se isolaram, falo isolamento no sentido extremo. Tem medo de sair a rua, de comprar pão, os que tem medo de adaptar a sua vida a nova realidade. Tem medo desse contato, afastou-se dos amigos e dos familiares mais próximos e outros acabam entrando em transtornos obsessivos compulsivos e higiene excessiva", diz.
Moçambique já ultrapassou a barreira dos 50 mil casos positivos do coronavírus desde que a doença chegou ao país, em março de 2020.