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Militares torturam crianças na luta contra o Boko Haram

Muhammad Al-Amin | rl
27 de maio de 2020

Atrocidades do Boko Haram no nordeste da Nigéria deixaram cicatrizes profundas na população, alerta relatório da Amnistia Internacional, que chama a atenção para abusos a que milhares de crianças estão sujeitas.

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Foto: imago/epd/A. Staeritz

As crianças que nasceram durante o conflito, que já dura há mais de dez anos, não sabem o que é viver em segurança, quer em casa, quer na escola ou na comunidade. Muitas delas foram recrutadas e treinadas para combater, tornando-se nas chamadas crianças-soldado.

É o caso de Idris Muhammad, de 12 anos. "Fomos raptados da nossa aldeia, Kirawa (Estado de Borno), e levados para a base deles na floresta de Sambisa. Normalmente quando iam para o campo de batalha, levam-nos com eles. Ensinaram-nos o que fazer no campo de batalha e mataram pessoas à nossa frente. Aprendi a disparar uma arma e como fazer uma bomba. Ensinaram-me até como matar pessoas", conta.

Também Maryam Umar, de 13 anos, sabe o que é ser uma criança-soldado do Boko Haram. "Eles invadiram a nossa aldeia, Kirawa, e pediram a cada uma de nós (todas mulheres) que os seguissem. Levaram-nos para a floresta e ameaçaram matar-nos ou violar-nos. Na floresta não havia comida suficiente e mandavam-nos ir ao mato buscar lenha. Ensinam-nos como matar uma pessoa com uma faca ou com disparos", recorda a jovem.

Crianças precisam de apoio psicológico

O pesadelo destas crianças não acaba depois de se verem livres do Boko Haram. De acordo com o relatório da Amnistia Internacional, intitulado "Secámos as nossas lágrimas: Enfrentar o problema das crianças do conflito do Nordeste da Nigéria", muitas destas crianças acabam por ser detidas e torturadas pelos militares nigerianos e as  suas milícias aliadas. Atos que a Amnistia Internacional condena veemente.

Para a organização de direitos humanos, a estas crianças deve ser dado "apoio psicológico” e não mais uma detenção. "São apenas crianças que precisam de ser apoiadas para irem à escola. Alguém tem de assumir essa responsabilidade, quer o governo quer as organizações não-governamentais, têm de as apoiar e alimentar, fornecendo-lhes abrigo. Precisamos de dar um lar a estas crianças para que fiquem seguras, protegidas", apela Zariyatu Abubakar, ativista dos direitos da criança no nordeste da Nigéria.

Nigéria: Refugiados sonham com a paz

Também Geoffrey Ijumba, funcionário da UNICEF no nordeste da Nigéria, entende que não devem ser poupados esforços para garantir um futuro melhor às crianças afetadas pela insurreição do Boko Haram. "Precisamos de ver estas crianças como vítimas, de as tratar com compaixão, de garantir a sua integração porque é a única forma que elas têm de redescobrir os seus sonhos, de serem capazes de lutar por eles e de contribuírem positivamente para o seu próprio desenvolvimento pessoal e para o desenvolvimento deste país", sublinha.

Para além de não irem à escola, as crianças não têm acesso a cuidados de saúde, a vacinas ou a uma alimentação equilibrada. As raparigas correm ainda o risco de serem forçadas a casar muito jovens.

Consciente da situação, garante Hajiya Zuwaira Gambo, o governo tem estado a desenvolver projetos que proporcionam o ambiente adequado para que estas crianças possam ter um bom futuro. A responsável pela pasta dos assuntos das mulheres e desenvolvimento social no Estado de Borno garante que "o governo tem estado a trabalhar para garantir que a insurreição (do Boko Haram) não destrua os sonhos e aspirações das crianças de Borno. Para isso, providencia instalações educativas adequadas e centros de formação profissional gratuitos para lhes dar igualdade de oportunidades."

Para a realização do relatório "Enfrentar o problema das crianças do conflito do Nordeste da Nigéria", a Amnistia Internacional entrevistou, entre novembro de 2019 e abril de 2020, mais de 230 pessoas afetadas pelo conflito. 119 dos entrevistados foram vítimas, enquanto menores, de crimes graves cometidos pelo Boko Haram, pelos militares nigerianos ou por ambos. 48 destas pessoas estiveram sob custódia militar durante meses ou anos. Entre os entrevistados estão ainda 22 adultos que foram detidos juntamente com crianças.