1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Moçambique: "Com pouco armamento é possível criar uma grande destabilização"

Silva-Rocha, Antonio24 de outubro de 2013

O investigador moçambicano Luís Brito segue com preocupação os desenvolvimentos do conflito político-militar em Moçambique e relembra que para além das vidas humanas já perdidas, o setor económico pode retrair-se.

https://p.dw.com/p/1A5WG

Em setembro passado, em entrevista à DW África, o investigador Luís Brito, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique (IESE), afirmava, com preocupação, que Moçambique vivia uma situação de "quase guerra", com uma instabilidade que deixava muito apreensiva toda a sociedade do país.

Hoje, passadas pouco mais de três semanas, o mesmo investigador, em entrevista à DW África vai mais longe e alerta a comunidade de que não são necessários muitos meios para criar destabilização nacional.

DW África (DW): Depois de ter afirmado que Moçambique estava a viver uma situação de "quase guerra", hoje e com os desenvolvimentos desta semana, como caracteriza a situação atual no país?

Luís Brito (LB): Eu diria que demos mais um passo porque com a ocupação do local onde estava o líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) [Afonso Dhlakama], a questão agravou-se e não se sabe qual será a reação.

DW: Organizações da sociedade civil moçambicana acusam o Presidente da República, Armando Guebuza, de violar a Constituição da República porque ordenou que as tropas moçambicanas entrassem em Gorongosa. Será que isso corresponde à verdade?

LB: Eu não tenho os detalhes sobre os aspetos da Constituição que se referem à utilização ou não das Forças Armadas e penso que sobre isso há um debate. Mas de qualquer maneira, eu penso que essa não é a questão principal. A questão principal é a questão política. Tenham sido as Forças Armadas com a polícia ou a polícia só, isso não muda nada.

Não penso que esse tipo de acusações possa adiantar alguma coisa para a resolução do conflito. A realidade é esta: as Forças Armadas com elementos da polícia foram ocupar o local onde vivia o presidente da RENAMO e isso cria esta situação de instabilidade agravada porque ele desapareceu do local e não se sabe se estará a organizar alguma reação. Por outro lado, tal como ele disse, poderá ter perdido o controlo dos seus homens e portanto, sem comando, estes homens podem estar a desenvolver ações por iniciativa própria.

DW África: Várias mensagens de apelo ao diálogo estão a ser lançadas pela sociedade civil e pela comunidade internacional. Acredita que ainda há espaço para este diálogo?

LB: Eu penso que sim. De facto, quanto mais cedo melhor porque de uma forma ou de outra esse diálogo terá que ser feito. Será muito difícil imaginar uma solução puramente militar, incluindo na perspectiva de uma eliminação física do líder da RENAMO.

Não penso que seja possível eliminar todos os militantes da RENAMO e, particularmente aqueles, que são de tradição militar. São muitos e estando marginalizados na sociedade podem dedicar-se a fazer renascer a guerrilha.

DW África: Mas a RENAMO tem neste momento meios suficientes para enfrentar a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO)?

LB: A questão é que para uma guerilha os meios necessários não são assim tantos. Com muito pouco armamento é possível criar uma grande destabilização. Não foram utilizados grandes meios para criar a situação na estrada nacional número 1 (EN1).

Lá só se circula com proteção militar e policial, só há duas colunas em cada sentido por dia, portanto cria logo uma série de inconvenientes para a atividade económica e para a circulação das pessoas. Portanto, imagine-se se este tipo de situações se estende para outras partes do país.

DW África: Mas também é quase impossível que um movimento de guerrilha neste momento sobreviva sem apoios estrangeiros...

LB: Os apoios tendem a aparecer. Há muitas outras guerilhas pelo mundo fora que não têm apoios estrangeiros mas que organizam tráficos de marfim, diamantes e conseguem sobreviver nessa base. Por conseguinte, não penso que isso seja um grande obstáculo. O facto da situação geopolítica da região ter mudado completamente, claro que significa que não teríamos uma guerra como a anterior.

DW África: Está preocupado com a situação económica que poderá sofrer com esta instabilidade que se vive atualmente em Moçambique?

LB: Esse é um dos grandes riscos, para além da perda de vidas humanas que já aconteceu. Há também esse aspeto. Moçambique é um país que tinha um certo crescimento económico, embora o desenvolvimento e a redução da pobreza estivessem longe de progredir ao mesmo ritmo, mas evidentemente, não só a situação atual destes últimos meses tem prejudicado muitas pequenas e médias empresas, mas sobretudo, é uma mensagem péssima para os investidores.

Talvez os grandes investidores dos mega projetos que têm uma capacidade muito forte das multinacionais e que já estão instalados no terreno, explorando carvão, gás ou prospeção de petróleo, sejam mais insensíveis a estas situações de conflito.

Em muitos países africanos estas empresas estão a funcionar em situações de relativa destabilização. Mas o investimento corrente, da pequena, da média ou mesmo da grande empresa fica bastante comprometido.